Engenheiros e lideranças locais de Guarujá (SP) se uniram para criar a Ação Viva Guarujá e Vicente de Carvalho (AguaViva). O grupo é liderado pelo engenheiro José Manoel Ferreira Gonçalves, que conversou com o Petronotícias sobre as primeiras iniciativas do grupo. Uma das principais preocupações e pauta prioritária da AguaViva será a expansão do Porto de Santos e seus desdobramentos para as regiões de Guarujá e Vicente de Carvalho. “Estamos vivendo um zoneamento torto, caolha e míope. É nesse contexto que a AguaViva surgiu. A sociedade tem que ter mecanismos para usar todos os instrumentos democráticos. Queremos estudar em profundidade esse tema [o crescimento do porto de Santos]. Inclusive, os nossos técnicos do Conselho Tecnológico já estão trabalhando nesse sentido. Essa vai ser uma pauta importante”, avaliou. Na visão de Gonçalves, o crescimento portuário de Santos não foi bem planejado, trazendo consequências negativas para a cidade. “Então, hoje você tem armazém de fertilizantes ao lado da residência das pessoas. Há um conflito entre porto e cidade”, criticou. “Nós queremos planejar, de forma que o porto possa crescer de forma harmônica e estruturada, reduzindo esses conflitos. Se o Guarujá não acordar para isso, vai vivenciar esses problemas também, sem dúvida nenhuma”, concluiu.
Poderia contextualizar nossos leitores sobre as suas principais preocupações em relação aos projetos de expansão do Porto de Santos?
Não podemos fazer um zoneamento portuário pensando apenas no maior porto do país, o de Santos. É preciso pensar no Brasil como um todo. O país tem 8 mil quilômetros de costa e as viagens de cabotagem precisam ser incentivadas, porque ficaram paralisadas durante muito tempo. É preciso conectar fazer a conexão dos portos com a rede ferroviária e malha rododoviária, encontrando soluções para que o Brasil não seja apenas exportador de grãos, porque é o que estamos fazendo hoje.
Mas o que estamos vendo é um porto entregue nas mãos de uma empresa monopolizadora do sistema ferroviário – me refiro à Cosan. A Comgás, do mesmo grupo, recebeu há dois anos sinal verde do governo estadual para construir um novo terminal de GNL na Baixada, entre Santos e Cubatão. Agora, ao propor a construção do novo terminal de gás no Porto de Santos, é preciso levar em conta preocupações relacionadas ao crescimento do porto e à segurança do entorno.
Estamos discutindo muito isoladamente, sem uma preocupação nacional. Falta um projeto nacional que olhe para o país daqui a 20 ou 30 anos. Não pode haver um zoneamento caolho, forçando uma barra porque há um grupo que tem o monopólio ferroviário e quer o monopólio do gás. O Brasil não pode ser apenas um grande entreposto exportador de grãos. Nós já fomos colônia por muito tempo, não podemos continuar sendo uma colônia no século 21.
Na área de petróleo e gás, por exemplo temos muita coisa a fazer. É preciso também pensar em energia limpa. Mas se ficarmos amarrados em uma armadilha, nas mãos de alguns grupos econômicos, não vamos ter desenvolvimento do país. Vamos ter apenas o desenvolvimento de interesses localizados.
Pode citar alguns pontos negativos, ao seu ver, nesses projetos de expansão do porto?
Como você vai fazer o zoneamento sem antes ouvir a sociedade brasileira como um todo? Antes de mais nada, o que queremos para o Brasil? São portos apenas para exportação de commodities? Precisamos discutir esse conceito, mas esse debate não foi feito. Essa discussão está caolha e enviesada.
Posso pontuar alguns tópicos. Voltemos a falar do terminal de GNL que citei há pouco. Como ampliar o gás de uma empresa particular, com capital particular, na Baixada Santista, sem discutir amplamente isso? Quais serão as consequências ambientais? Qual o ganho para o país e para a região? É claro que precisamos desse insumo. Mas é possível harmonizar essa demanda e pensar mais amplamente. É sobre isso que estamos alertando.
Na cidade de Santos existe a possibilidade de crescimento do porto. Então, você tem que vir para a margem esquerda do porto, que é a cidade de Guarujá, o distrito de Vicente de Carvalho. Ali você tem uma área de 5 milhões de metros quadrados do lado de Guarujá, onde pode ser feito um belo projeto que envolva ferrovia, rodovia e, quem sabe, a construção de um pequeno canal navegável. Isso é zoneamento. Isso é olhar o porto de cima e olhar para o futuro do Brasil. Não podemos imaginar que o porto possa crescer sem esse tipo de preocupação.
Do lado de Santos, você tem hoje armazéns com fertilizantes ao lado da casa das pessoas. Você tem isso na ponta da praia, com pessoas inalando uma porção de produtos tóxicos. Então é preciso planejar. É só ter vontade, ainda que para isso seja preciso contrariar alguns mega interesses. Tem outros muitos aspectos que precisam ser desenvolvidos no porto, como a indústria naval. Nós temos do lado de Guarujá o Complexo Naval e Industrial de Guarujá (CING), que está parado até hoje. Tudo isso precisa ser reavaliado de forma panorâmica.
Diante de todos esses pontos que o senhor levantou, quais seriam os impactos em Guarujá dessa expansão do porto?
O impacto seria reproduzir, daqui a alguns anos, aquilo que acontece em Santos. O crescimento portuário de Santos não foi planejado. Então, hoje você tem armazém de fertilizantes ao lado da residência das pessoas. Há um conflito entre porto e cidade.
Então, nós queremos planejar, de forma que o porto possa crescer de forma harmônica e estruturada, reduzindo esses conflitos. Se o Guarujá não acordar para isso, vai vivenciar esses problemas, sem dúvida nenhuma. Aliás, a região já vive isso de certa forma. No distrito de Vicente de Carvalho, o crescimento portuário arrebenta aquele trecho da cidade, que ainda é relativamente muito incipiente, mas que já mostra problemas que precisam ser trabalhados com engenharia, bom senso e respeito ao meio ambiente.
Precisa haver um entendimento que o porto deve crescer de forma sustentável e não de uma maneira abestalhada. Isso sem contar o risco de eventuais acidentes.
Que tipos de acidentes?
Acidentes como aquele que aconteceu no Líbano, em Beirute, por conta dos navios-tanques que serão levados para o Porto de Santos, transportando combustível. Como estamos trazendo esses navios? De que maneira isso está sendo trabalhado? Como está a Ilha Barnabé? E porque esses navios estão sendo colocados no estuário, em posições que são complicadas, muito próximas à cidade de Santos? Falta transparência e clareza. Falta um trabalho de convencimento da sociedade, que deve participar desse processo não só com o ônus, mas também com o bônus.
Quais serão as próximas ações da AguaViva em relação a esse tema?
A AguaViva nasceu justamente nesse contexto, com o objetivo de organizar o debate na sociedade. Nós construímos um grupo que reúne muitas associações já existentes em Guarujá. Conectaremo-nos a outras associações de todo o litoral de Santos. O que nós queremos é que a sociedade, de forma organizada, analise orçamentos, estudos e trabalhos que são publicados esparsamente. São os dados esparsos que [quando agrupados] se transformam em informações poderosas. E a sociedade tem que ter a capacidade de trabalhar isso com arquivos que sejam mais amigáveis.
Constituímos um conselho tecnológico que está se ampliando para fazer um trabalho de qualidade, um trabalho de fôlego. Não vamos ter resultados imediatos. Isso tudo é um processo lento, gradual e difícil. E claro que os segmentos que estão no poder querem cansar a sociedade.
Estamos vivendo um zoneamento torto, caolha e míope. É nesse contexto que a AguaViva surgiu. Queremos estudar em profundidade esse tema [o crescimento do porto de Santos]. Inclusive, os nossos técnicos do Conselho Tecnológico já estão trabalhando nesse sentido. Essa vai ser uma pauta importante.
Temos um aeroporto em Guarujá que precisa se conectar às demais infraestruturas. Nós temos que interligar porto, aeroporto, rodovia, e ferrovia, mas de maneira ampla. De forma a definir a concepção do que queremos, para depois sim buscar o zoneamento. Antes de fazer um projeto, é preciso fazer a sua concepção.
Precisamos ter redução dos caminhões que transportam cargas perigosas pelas estradas. O país necessita de soluções de transporte de contêineres. Só 2% dos contêineres que circulam em direção ao porto vão em cima de trilhos. O resto vai em cima de pneus. Isso é uma loucura completa. Precisamos romper com isso. O que a associação quer fazer é uma ruptura com esses modelos ultrapassados e antiquados.
Nós vamos representar ao Tribunal de Contas da União, pedir uma abertura de uma investigação mais ampla sobre isso. Porque vai tudo sendo feito nas barbas de todos nós. Eles vão passando a boiada, como disse o ministro do Meio Ambiente [Ricardo Salles] recentemente. Tem muita boiada passando. A AguaViva levanta a voz para que a boiada não passe.
Você tem o Porto de Santos tratado de uma forma burra. É para isso que estamos nos mobilizando. É uma mobilização social – forte, gradual e intensa -, de convencimento e passa também pela educação para cidadania. O cidadão tem que perceber seus direitos e suas responsabilidades. Para isso, vamos levantar elementos absolutamente corretos e com qualidade.