As ações violentas de organizações criminosas que roubam cargas de soja nas ferrovias são, evidentemente, um caso de segurança pública. Mas, para além da necessidade de atuação policial, é preciso refletir por que as invasões de vagões e desvios de mercadorias na Baixada Santista se tornaram cada vez mais comuns.
Antes de mais nada, há pecados na própria forma escolhida para definir as concessões de ferrovias no país. Em uma operação vertical, com uma única concessionária habilitada a explorar a linha, o monopólio cobra seu preço: o Estado concede, e quem cuida do trilho é a concessionária.
Por outro lado, se a concessão fosse horizontal, ou seja, com vários operadores habilitados, a preservação do trilho e suas condições de segurança seria claramente uma responsabilidade do Estado.
No primeiro caso, porém, existem várias áreas nebulosas, que nem sempre são esclarecidas. A segurança que se cobra por parte do Estado – no caso, o poder concedente – é também responsabilidade da concessionária.
Danos aos trilhos causados por explosões e incêndios afetam não apenas o transcorrer de uma viagem específica, mas têm reflexos na logística que começa no ponto de carregamento da carga e termina no porto de Santos. Segundo números apresentados por reportagem do Fantástico no último domingo, a cada três dias, um é perdido com paralisações no trecho que a empresa Rumo explora até entregar a soja que será embarcada para exportação no litoral paulista.
É um prejuízo que provoca a desconfiança nas companhias exportadoras e coloca em dúvida até a viabilidade da operação, não apenas para o transporte de soja, mas também de outros gêneros alimentícios (milho, carne) e itens como combustível e produtos industrializados. Sem a clara definição de responsabilidades, cria-se o ambiente ideal para o surgimento de quadrilhas, aproveitadores, milícias.
Nesse debate, não podemos esquecer do papel da hoje decorativa Agência Nacional de Transportes Terrestres, a ANTT. Falta uma articulação entre os órgãos públicos envolvidos com a concessão de ferrovias, a Polícia Federal e as concessionárias.
Importante assinalar que as condições de concessão nos moldes que temos hoje em nossas ferrovias – prioritariamente dedicadas ao escoamento de commodities – geram situações de risco, inclusive da integridade pessoal de quem trabalha na operação.
Com composições que reúnem dezenas de vagões (para maximizar custos), o maquinista carrega não só uma valiosa carga, mas também responsabilidades que fogem de seu alcance. Vigilantes particulares tampouco podem fazer a segurança.
É um problema complexo, que exige a mobilização do Poder Público em ações imediatas. Uma medida que ajudaria a combater esses crimes seria a regulamentação da Polícia Ferroviária Federal. Há um projeto de lei no Senado nesse sentido, para que tenhamos uma PFF estruturada, com contratação de agentes e inspetores sob um plano de carreira que possa atrair profissionais comprometidos com a segurança nos trilhos.
É preciso coragem para avançar com essa proposta, a fim de combatermos não apenas o desvio de alimentos e divisas, mas também garantir que não tenhamos baixas humanas na torpe ação de quem ataca os trens.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da Ferrofrente, Frente Nacional pela Volta das Ferrovias.