Sabesp Privatizada, Tietê Contaminado

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José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista

Quando o lucro vale mais que a saúde pública

Na calada dos gabinetes e sob o verniz de discursos técnicos, a privatização da Sabesp avançou sem escutar o clamor da sociedade e dos especialistas. O episódio recente do lançamento deliberado de esgoto sem tratamento no Rio Tietê, admitido pela própria companhia, escancara o desastre anunciado. Todos os nossos avisos, assim como o de outros especialistas, foram solenemente desconsiderados. A sanha privatista do atual governo estadual, comandado por um gestor semifascista que transforma política pública em negócio privado, fez da água um produto e da saúde pública um detalhe.

A cena é simbólica: o rio mais importante do estado, há décadas tratado como esgoto a céu aberto, volta a ser vítima da negligência institucional. Desta vez, porém, sob uma gestão que responde não mais à população, mas a acionistas. A justificativa apresentada pela Sabesp — a de que a medida visava aliviar a pressão da tubulação rompida na Marginal Tietê — revela não apenas uma falha técnica, mas uma lógica perversa onde o dano ambiental é tratado como um inconveniente logístico.

Privatização da Sabesp e eleições: uma aliança perigosa

A pressa em vender a Sabesp não nasceu de um plano estratégico robusto, mas sim de uma motivação eleitoreira. A arrecadação obtida com a entrega da companhia ao setor privado ajuda a rechear o caixa do governo e pavimentar campanhas futuras. É simples: quem transforma serviço essencial em ativo de mercado, transforma a miséria alheia em moeda de troca. Água é direito, não mercadoria.

O governador do Estado, ao ignorar alertas técnicos, relatórios ambientais e mobilizações populares, optou por priorizar seu projeto pessoal de poder. A privatização da Sabesp tem a ver com isso: não se trata de eficiência, mas de oportunismo. A experiência internacional já demonstrou os riscos dessa prática. França, Alemanha, Bolívia e tantos outros países e cidades reestatizaram serviços de água após experiências desastrosas. Aqui, seguimos o caminho inverso, como se não soubéssemos ler o mundo.

Um colapso anunciado: todos os nossos avisos foram ignorados

Não se pode alegar surpresa. Os riscos foram detalhados em artigos, audiências públicas, pareceres técnicos. Todos os nossos avisos, assim como o de outros especialistas, foram solenemente desconsiderados. Dizia-se que a privatização traria eficiência e investimentos. Hoje, vemos a maior empresa de saneamento da América Latina despejando esgoto no Tietê como quem abre um ralo para fugir de um problema maior.

É evidente que o desprezo por políticas públicas estruturadas está na raiz desse tipo de decisão. A desvalorização do corpo técnico da Sabesp, o desmonte da fiscalização e a lógica de corte de custos operacionais em nome de margens de lucro comprometeram o básico: a garantia de água potável e saneamento seguro.

Entre lucro e vida, escolheram o primeiro

Diante desse cenário, é impossível não enxergar a conexão direta entre a tragédia ambiental e a privatização. Quando a prioridade é agradar investidores, a população perde. Perde água, perde saúde, perde dignidade. O Rio Tietê, símbolo da luta ambiental paulista, agora também é símbolo do fracasso da política privatista.

Não se trata de nostalgia estatal. Trata-se de responsabilidade. Saneamento é infraestrutura, saúde pública e justiça social. Delegá-lo ao mercado é entregar ao interesse privado aquilo que deveria ser gerido com foco no bem comum.

*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva. Em 2018, fundou e passou a coordenar o Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD), criado a partir da convicção de que a engenharia, como base material do desenvolvimento nacional, deve estar a serviço da democracia, da ética e da justiça social.

Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir de fontes confiáveis e verificadas, incluindo G1, Sabesp, ANA (Agência Nacional de Águas) e análises de especialistas em políticas públicas e meio ambiente.”

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