Rua XV de Novembro: Primeiro Calçadão para Pedestres do Brasil

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Por José Manoel Ferreira Gonçalves

Pioneirismo da Rua XV de Novembro

Inaugurada como calçadão em 1972, a Rua XV de Novembro (conhecida como Rua das Flores) em Curitiba foi a primeira via urbana importante do Brasil fechada totalmente ao tráfego de veículos, tornando-se exclusiva para pedestres. A iniciativa, idealizada pelo então prefeito Jaime Lerner em seu primeiro mandato, seguia tendências já observadas em cidades europeias de criar áreas de passeio livre de carros. Até então, nunca se havia implementado um calçadão desse tipo no país, o que torna o projeto pioneiro no contexto brasileiro. A transformação da Rua XV – um importante eixo comercial no centro de Curitiba – visava “humanizar” o espaço urbano, privilegiando as pessoas sobre os automóveis. No trecho de aproximadamente seis quadras entre as praças Osório e Santos Andrade, a prefeitura instalou pavimentação em petit-pavê, floreiras e mobiliário urbano, criando o emblemático “Rua das Flores”.

Resistência Inicial e Desafios

A proposta enfrentou forte resistência de comerciantes e parte da população no início. Lojistas protestaram, temendo que a proibição de carros reduzisse o movimento e afastasse clientes de suas lojas. Muitos acreditavam que, sem acesso de automóveis e estacionamento em frente às lojas, haveria queda nas vendas e prejuízo ao comércio local. Além dos comerciantes furiosos, clubes de automóveis e setores conservadores também se posicionaram contra o fechamento da rua. Chegou-se a organizar ações judiciais para impedir a obra, e um clube de automóveis planejou um protesto dirigindo pela via recém-fechada. Havia muita dúvida e confusão entre os moradores sobre como funcionaria uma rua exclusiva para pedestres, algo até então desconhecido no Brasil.

Execução Rápida para Vencer a Oposição

Para contornar os obstáculos, a administração de Jaime Lerner optou por uma execução rápida e surpresa da obra. O prefeito percebeu que, se seguisse os trâmites normais, processos judiciais poderiam barrar o projeto. Por isso, a obra foi iniciada estrategicamente em um final de semana: na noite de sexta-feira, 19 de maio de 1972, após o fechamento do fórum, equipes e caminhões da prefeitura bloquearam a rua e iniciaram os trabalhos. Aproveitando que empresas de energia e saneamento já faziam manutenção na região, a prefeitura fechou a via e começou a transformação sem alarde, camuflando a intervenção sob a aparência de obras de rotina. Em um tempo recorde de aproximadamente 72 horas, todo o trecho foi pavimentado, decorado e ficou pronto para uso dos pedestres. A rapidez foi tanta que um projeto estimado para cinco meses terminou em apenas três dias. Essa execução relâmpago frustrou os opositores: por exemplo, o protesto motorizado planejado foi literalmente barrado por crianças pintando desenhos no novo calçadão, atividade promovida pela prefeitura que tomou conta da via e impediu a passagem dos carros. Ao final, muitos comerciantes céticos se surpreenderam positivamente – um dos lojistas que havia assinado a petição contra a obra pediu até para ficar com a cópia do documento “de lembrança”, admitindo o sucesso e sugerindo expandir a ideia para outras ruas.

Sucesso do Calçadão e Mudança de Percepção

Apesar do temor inicial, o calçadão da Rua XV de Novembro rapidamente se tornou um sucesso de público e de resultados comerciais. Longe de espantar a clientela, a Rua das Flores passou a atrair ainda mais pedestres, transformando-se em um shopping a céu aberto no centro da cidade. Com o ambiente agradável – sem poluição ou barulho de carros, com flores, bancos e espaço para caminhar – o fluxo de pessoas aumentou e as vendas no comércio local superaram as expectativas anteriores. Em pouco tempo, os próprios lojistas que resistiram à mudança reconheceram os benefícios: o movimento de consumidores cresceu e valorizou os estabelecimentos na região. A rua revitalizada também ganhou vida cultural, com artistas de rua, eventos e feiras ao ar livre, consolidando-se como um dos cartões-postais mais famosos de Curitiba. A mídia local, que no início fora crítica, passou a elogiar a nova paisagem urbana e a atmosfera amigável aos pedestres. O êxito da experiência fez com que Curitiba mantivesse e expandisse o calçadão, inspirando planos semelhantes em outras partes da cidade nas décadas seguintes.

Repercussão Nacional e Internacional

A transformação da Rua XV de Novembro não apenas mudou o centro de Curitiba, mas também teve repercussão em nível nacional e internacional. Curitiba ganhou reputação de cidade inovadora em planejamento urbano, servindo de referência para outras cidades brasileiras interessadas em adotar calçadões e políticas de humanização dos espaços públicos. Nos anos seguintes, diversos centros urbanos no Brasil seguiram o exemplo curitibano, implementando ruas de pedestres inspiradas no pioneirismo da Rua XV. Internacionalmente, a iniciativa colocou Curitiba no mapa: urbanistas e arquitetos do mundo inteiro passaram a visitar a capital paranaense para conhecer de perto o calçadão e suas soluções. Muitos ficaram impressionados com a humanização do espaço e a ousadia do projeto. O caso de sucesso da Rua XV também foi divulgado em publicações e eventos de urbanismo, contribuindo para que Curitiba fosse celebrada como modelo de cidade sustentável e inovadora. A pedestrialização da Rua XV de Novembro, inicialmente controversa, revelou-se uma medida pioneira e bem-sucedida, influenciando positivamente o urbanismo no Brasil e projetando Curitiba internacionalmente como cidade criativa e humana.

Guarujá – 53 anos depois

Na contramão do desenvolvimento urbano e humano, a prefeitura do Guarujá resistiu de forma contundente a, atendendo ao plano diretor ao qual estava sujeita, transformar a rua Nicolau Lopes eu rua restrita a pedestres. Pois bem, perdeu no judiciário, e quem ganhou foi toda a comunidade.

*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá. Membro do Conselho Deliberativo da EngD

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