ASSUNTO: Vícios de Inconstitucionalidade Material, Inadequação Técnica e Ofensa à Soberania Nacional no Substitutivo ao PL nº 1.024/20.
PARA: Exmo. Sr. Deputado Federal
MEMBRO: Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC)
I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS E CONTEXTO NA CCJC
O Projeto de Lei (PL) nº 1.024/20, proposto pelo Ex-Ministro Paulo Guedes, após receber alterações nas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e Finanças e Tributação (CFT), tramita agora na CCJC. No dia 09 de dezembro de 2025, o Relator da matéria, Deputado Cleber Verde, protocolou seu voto admitindo “imperfeições redacionais e falhas técnicas” no substitutivo, mas alegando a inexistência de afronta aos princípios constitucionais.
A análise técnica deste novo substitutivo revela que as alterações substantivas são insuficientes e agravam questionamentos de inconstitucionalidade que atingem os princípios da Impessoalidade, Moralidade (Art. 37, CF) e Isonomia (Art. 5º, CF). A legislação essencial para o desenvolvimento nacional não pode ser aprovada com um texto legalmente “apequenado“, eivado de vícios de casuísmo e que beneficia diretamente atuais dirigentes em detrimento da categoria. É um texto que falha em proteger a engenharia brasileira contra a abertura indiscriminada do mercado.
II. ANÁLISE CRÍTICA: VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
1. Do Artigo 1º (Escopo, Isonomia Profissional e Gestão do Sistema)
O texto restringe a aplicação plena da lei às Engenharias e Agronomia, tratando as demais profissões do Sistema de forma secundária através da cláusula “no que couber”. Tal redação viola o Art. 5º (Isonomia Profissional) e o Art. 5º, XIII da Constituição Federal ao impor deveres sem a contrapartida integral dos direitos. É fundamental garantir a aplicação plena da Lei a todas as profissões fiscalizadas e assegurar um Plenário Federal que contemple a representação federativa e a proporcionalidade regional, combatendo o patrimonialismo na gestão.
2. Da Flagrante Inconstitucionalidade no Artigo 2º (Incisos II e III)
O texto incorre em vício insanável ao tratar de forma discricionária o exercício profissional, delegando indevidamente competências legislativas aos Conselhos:
- Violação da Reserva de Lei e Jurisprudência do STF: O Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado de que a disciplina das condições para o exercício profissional é matéria de reserva legal absoluta. É vedado aos conselhos profissionais inovar no ordenamento ou criar requisitos de habilitação via resoluções ou convênios. Delegar a definição de qualificações a “convênios de intercâmbio” ou “critérios dos Conselhos” fere o Art. 5º, XIII da CF e o princípio da Separação dos Poderes. Conselhos não podem legislar onde a Constituição exige Lei Federal.
- Risco à Soberania e Segurança da Sociedade: A Engenharia é inteligência estratégica de Estado. A ausência de domínio das normas técnicas brasileiras (ABNT) por estrangeiros coloca em risco a Segurança da Sociedade. O exercício por estrangeiros deve exigir, por força de lei, experiência mínima comprovada de 5 (cinco) anos, garantindo senioridade técnica, além de patrocínio por empresa nacional e sistema de pontos rigoroso. Sem estas salvaguardas, o Brasil exporta inteligência técnica e importa riscos severos à infraestrutura e à vida humana.
3. Tabela Detalhada de outros Vícios constatados e Ações Saneadoras
| Artigo Crítico | Vício Constitucional | Argumentação e Conflito | Ação Saneadora Recomendada |
| Art. 87-A (Extensão do Mandato) | Art. 37 (Moralidade e Impessoalidade) e Art. 5º, XXXVI (CF) | A extensão do mandato dos atuais Presidentes do CONFEA/CREAs é um ato de casuísmo que beneficia indivíduos diretamente (ad personam). Viola o princípio da Não Retroatividade e o ato jurídico perfeito das eleições já realizadas. É uma afronta à moralidade pública. | Revogação do Art. 87-A. Manter mandatos em 3 anos ou aplicar a regra de 4 anos estritamente para mandatos futuros, preservando a impessoalidade e a alternância de poder. |
| Art. 36, § 1º (Repasse Seletivo da ART) | Art. 5º (Isonomia) e Art. 37 (Impessoalidade) | A destinação seletiva de recursos públicos (provenientes da ART) a um pequeno grupo de “entidades precursoras” é uma discriminação ilegítima. O critério de repasse de recursos parafiscais deve ser a representatividade e o interesse público isonômico. | Aumentar o repasse para 16%, alinhado com o aperfeiçoamento profissional, e garantir a distribuição isonômica a todas as entidades de classe registradas. |
| Arts. 27 e 34 (Fixação de Benefícios) | Art. 37 (Moralidade Administrativa) | O mandato de Conselheiro é legalmente honorífico (Art. 51, Lei 5.194/66). Prever benefícios privados como plano de saúde pagos com recursos de anuidades é desvio de finalidade e patrimonialismo incompatível com a ética pública e o interesse da categoria. | Revogação Integral das alíneas dos Arts. 27 e 34 que preveem a concessão de seguro ou plano de saúde para ocupantes de cargos honoríficos. |
| Art. 27, alínea ‘x’ (Desincompatibilização) | Art. 37 (Impessoalidade) | Permite ao próprio CONFEA decidir, via resolução, sobre a necessidade de desincompatibilização eleitoral. É o órgão legislando em causa própria para favorecer grupos de poder atuais no processo eleitoral. | Manter a regra de afastamento na lei, garantindo que as regras de desincompatibilização não fiquem à mercê de maiorias ocasionais para fins eleitorais. |
III. OBJETIVOS ESTRATÉGICOS E DIRETRIZES PARA O SÉCULO XXI
A Engenharia nacional exige um marco regulatório que proteja o mercado contra a invasão estrangeira sem transferência tecnológica. O sistema deve:
- Valorizar empresas e profissionais brasileiros como motores do desenvolvimento.
- Garantir o Salário Mínimo Profissional (SMP), inclusive no serviço público.
- Assegurar consulta prévia ao MEC sobre a criação de novos cursos e transparência total.
- Modernizar e Democratizar o sistema sem criar vantagens incompatíveis para dirigentes de cargos honoríficos.
IV. RECOMENDAÇÃO E VOTO FINAL
Diante da gravidade dos vícios apontados, que comprometem a Moralidade Administrativa, a Isonomia e a Soberania Nacional, este voto manifesta-se pela REJEIÇÃO DO PARECER DO RELATOR na forma como foi apresentado1. A matéria é essencial ao desenvolvimento nacional e não comporta um texto legislativo “apequenado” que fragilize o sistema profissional ou mantenha inconstitucionalidades materiais profundas.
Identifica-se que o substitutivo atual é juridicamente inadequado, especialmente no Artigo 1º, que ao utilizar a cláusula “no que couber”, fere o princípio da isonomia e trata de forma discricionária o conjunto de direitos e deveres das demais profissões que integram o Sistema3. Da mesma forma, o Artigo 2º incorre em vício insanável ao delegar indevidamente competências legislativas e colocar em risco a soberania técnica nacional 4444, enquanto os Artigos 36 e 87-A introduzem distorções graves no repasse de recursos e casuísmo na extensão de mandatos, afrontando diretamente os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa.
Pelo exposto, submetemos a esta Comissão a necessidade de garantir o pleno aprimoramento do texto do PL-1024/20, assegurando a correção integral destes dispositivos para que a legislação cumpra o seu papel de proteger a sociedade e valorizar a engenharia nacional6. Ressaltamos que estamos à inteira disposição para colaborar na construção de um novo substitutivo de parecer que esteja livre dos vícios destacados neste documento e que atenda aos requisitos indispensáveis do Brasil contemporâneo. Caso não seja possível promover tais alterações saneadoras para adequar o projeto aos princípios constitucionais de igualdade e ética pública, recomendamos o seu ARQUIVAMENTO.
Atenciosamente,
Ricardo Latge
Amaury Monteiro Jr.
José Manoel Ferreira Gonçalves
16 de dezembro de 2025