Projeto básico, ética e lei: a confusão que paralisou a licitação da nova sede do CREA-SP

Compartilhe:

O artigo “Projeto básico, ética, técnica e lei”, publicado por José Manoel Ferreira Gonçalves no Jornal GGN em 3 de novembro de 2025, reacendeu o debate sobre a confusão conceitual que vem comprometendo a lisura, a técnica e a legalidade das licitações públicas no país.

O texto foi publicado dias após o CREA-SP suspender, em 15 de setembro de 2025, a Concorrência nº 90004/2025, destinada à construção de sua nova sede na Barra Funda, em São Paulo, orçada em R$ 170 milhões. A decisão de suspender o certame “sine die” foi anunciada sob a justificativa de “interesse público”, após questionamentos formais e uma Ação Popular ajuizada pelo engenheiro José Manoel Ferreira Gonçalves, com condução do advogado Bruno Meirinho.

A Ação Popular (Processo nº 5023577-56.2025.4.03.6100) tramita na 26ª Vara Federal Cível de São Paulo e aponta falhas estruturais no edital, entre elas a ausência de projeto básico, a fusão indevida de objetos distintos (projeto executivo, execução da obra e dação em pagamento de imóveis) e critérios de julgamento inconsistentes, que comprometem a competitividade e a economicidade do processo.

Contexto do Caso CREA-SP

O certame, avaliado em cerca de R$ 170 milhões, foi suspenso sine die após questionamentos técnicos e jurídicos apresentados em uma Ação Popular (Processo nº 5023577-56.2025.4.03.6100) ajuizada por José Manoel Ferreira Gonçalves, engenheiro, advogado e presidente da FerroFrente, com condução do advogado Bruno Meirinho.

A iniciativa judicial expôs falhas estruturais no edital, que previa a elaboração do projeto executivo, a execução integral da obra e ainda a dação em pagamento de imóveis pertencentes ao Conselho, o que, na prática, combinava objetos distintos e contrariava os princípios da legalidade, economicidade e competitividade.

O erro conceitual que virou problema nacional

O artigo de Gonçalves destaca o ponto nevrálgico da questão: a substituição do projeto básico pelo termo de referência.

“Enquanto o termo de referência orienta compras e serviços comuns, o projeto básico estrutura obras de engenharia. Assim, quando um conselho profissional apresenta termo de referência para licitar obra, ele troca o mapa pelo rascunho e, portanto, afronta técnica e legalidade.”

Lei nº 8.666/1993, em seu artigo 6º, inciso IX, define projeto básico como o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço.
Já o termo de referência, segundo o Decreto nº 10.024/2019, aplica-se a bens e serviços padronizados, não a obras de engenharia. Confundir os dois instrumentos equivale a retirar o fundamento técnico da licitação, comprometendo todas as etapas seguintes — orçamento, cronograma, medição, aditivos e fiscalização.

“Profissionais legalmente habilitados precisam elaborar todos os elementos, com ART registrada e assinatura em cada peça gráfica e documento, garantindo autoria e responsabilidade técnica”, complementa o engenheiro no artigo.

Sem projeto básico, não há obra pública legítima

De acordo com a Orientação Técnica OT-IBR 001/2006 do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (IBRAOP), o projeto básico é a peça que “fixa com precisão características, dimensões, quantidades e custos da obra, prevenindo aditivos e remendos contratuais”.
Sem ele, a licitação carece de parâmetros objetivos, e o controle público perde o referencial mínimo para avaliar preço, prazo e qualidade.

A Ação Popular movida por Gonçalves apontou exatamente isso: o CREA-SP lançou um edital sem base técnica suficiente, o que violaria o artigo 7º, §2º, inciso I, da Lei 8.666/93, que veda a licitação de obras sem projeto básico aprovado pela autoridade competente.

Além disso, a combinação de projeto executivo, execução da obra e dação de imóveis em um único contrato mistura objetos jurídicos distintos, ferindo o princípio da separação de fases e criando desequilíbrio entre concorrentes.

A ética e a técnica na gestão pública

A crítica central do artigo do GGN é ética: conselhos profissionais — que funcionam como tribunais de ética e fiscalização — não podem incorrer em práticas que contrariam os mesmos princípios que fiscalizam.

“Confundir termo de referência com projeto básico não é mero vício formal. Trata-se de falha jurídica que pode render nulidade do procedimento e, ainda, indício de falta ética, sobretudo porque conselhos profissionais funcionam como tribunais de ética”, destacou Gonçalves.

Para o EPD – Engenheiros pela Democracia, o episódio é emblemático. “Um conselho que representa a engenharia precisa ser exemplo de rigor técnico e de respeito à lei. A ausência de projeto básico é mais que uma irregularidade — é uma falha moral com a própria profissão”, afirma a coordenação técnica do movimento.

Controle social e transparência

A decisão do CREA-SP de suspender a licitação sine die representa um avanço do controle social sobre a gestão de recursos parafiscais — valores arrecadados compulsoriamente dos engenheiros e aplicados em nome da categoria.

A judicialização do caso não busca travar a construção da nova sede, mas garantir que o investimento seja conduzido com transparência, planejamento e respeito à técnica.
Como lembra o autor:

“A sociedade protege o erário, reduz pleitos e assegura qualidade quando exige projeto básico antes da licitação. Educação técnica é o melhor remédio contra improviso e confusão conceitual.”

Referências normativas e técnicas

  • Lei nº 8.666/1993 – Lei de Licitações e Contratos (art. 6º, IX; art. 7º, §2º, I).
  • Decreto nº 10.024/2019 – Termo de referência aplicável a bens e serviços comuns.
  • Orientação Técnica OT-IBR 001/2006 (IBRAOP) – Conteúdo e obrigatoriedade do projeto básico.
  • Princípios constitucionais da administração pública – Legalidade, moralidade, eficiência e publicidade (art. 37 da CF/88).
  • Processo Judicial nº 5023577-56.2025.4.03.6100 – 26ª Vara Federal Cível de São Paulo.

Conclusão

O caso da nova sede do CREA-SP sintetiza uma contradição profunda: a entidade que deveria zelar pela ética e pela técnica da engenharia incorreu em vícios que ameaçam justamente esses pilares.
A suspensão do certame é, portanto, um resultado direto da ação cidadã e da coerência técnica, mostrando que engenharia pública e democracia caminham juntas.

EPD – Engenheiros pela Democracia seguirá acompanhando o desenrolar do processo, defendendo que sem projeto básico, não há obra pública ética, técnica ou legalmente sustentável.

Equipe EPD – Engenheiros pela Democracia
contato@engenheirospelademocracia.org.br
São Paulo – Novembro de 2025

Compartilhe:

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email