Poluição nas praias: descaso, manipulação e falta de transparência

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*José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro Civil, Advogado, Jornalista, Cientista Político e Escritor.
Pós-doutor em Sustentabilidade e Transportes pela Universidade de Lisboa

A farsa da “normalidade” ambiental: uma análise crítica das narrativas oficiais e sua instrumentalização política

A gestão ambiental no litoral paulista é marcada por uma narrativa oficial que busca desviar o foco dos reais problemas estruturais para justificar a poluição das praias. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo e a Sabesp adotam estratégias discursivas que atribuem a responsabilidade pelos níveis elevados de contaminação às condições climáticas adversas, como chuvas intensas. Essa abordagem não apenas ignora as falhas sistêmicas subjacentes, mas também perpetua um ciclo de inação que compromete tanto a saúde pública quanto os ecossistemas marinhos.

A argumentação baseada em fenômenos naturais, como as chuvas, mascara a verdadeira origem do problema: a ausência de infraestrutura adequada para coleta e tratamento de esgoto. Estudos recentes sobre saneamento básico apontam que redes clandestinas de esgoto são responsáveis por despejar resíduos diretamente em rios e canais que desembocam no mar, exacerbando a contaminação das águas costeiras. Este cenário revela uma lacuna crítica na fiscalização e na implementação de políticas públicas eficazes. Além disso, campanhas publicitárias promovidas pela Sabesp, que destacam limpezas pontuais de tubulações, criam uma falsa impressão de eficiência. Tais iniciativas são frequentemente utilizadas como ferramentas de marketing para desviar a atenção da população da falta de investimento em soluções estruturais e permanentes.

Enquanto isso, praias como a do Perequê permanecem negligenciadas, poluídas durante todo o ano, sem receber atenção prioritária porque carecem de apelo turístico ou econômico significativo. Essa hierarquização das praias reflete uma lógica perversa de priorização baseada em interesses comerciais, em detrimento de uma abordagem equitativa que deveria garantir a qualidade ambiental para todas as comunidades litorâneas.

A poluição das praias e a omissão do Estado: uma análise sistêmica e interdisciplinar

A justificativa climática apresentada pelas autoridades para explicar o aumento da imprópria balneabilidade das praias revela uma compreensão superficial do problema. Se sistemas de coleta e tratamento de esgoto estivessem funcionando adequadamente, as chuvas não causariam contaminação massiva das águas costeiras. Um exemplo emblemático é o Rio do Peixe, cujas águas recebem esgoto irregular de loteamentos na região da praia de Pernambuco, comprometendo drasticamente a qualidade da água do Perequê.

Este caso ilustra a necessidade de uma abordagem proativa e sistemática para monitorar a qualidade da água ao longo dos cursos hídricos. No entanto, essa abordagem parece ser intencionalmente evitada pelo governo. A falta de monitoramento transparente mantém a população desinformada e impede que a sociedade civil pressione por mudanças concretas. Além disso, a ausência de relatórios detalhados e acessíveis dificulta a identificação das fontes exatas de contaminação, perpetuando a impunidade dos responsáveis por despejos irregulares.

A gestão pública dos recursos hídricos passou por profundas modificações estruturais e institucionais nas últimas décadas, mas essas mudanças ainda não se traduziram em melhorias significativas no saneamento básico. A ausência de uma governança ambiental eficaz reflete a falta de integração entre diferentes níveis de planejamento – estratégico, tático e operacional –, o que resulta em políticas fragmentadas e incapazes de enfrentar os desafios complexos do saneamento urbano.

Transparência e fiscalização: o papel da governança ambiental e a necessidade de responsabilidade social

A manipulação da percepção pública pela Sabesp é outro aspecto alarmante dessa crise. Embora a empresa divulgue números impressionantes sobre a quantidade de resíduos retirados das tubulações, omite informações cruciais, como o local e o momento exato dessas intervenções. Não há um calendário público detalhado nem programas consistentes de fiscalização para combater as ligações clandestinas de esgoto.

Essa lacuna informativa fortalece a impunidade, permitindo que os responsáveis por despejos irregulares continuem agindo sem enfrentar consequências legais ou financeiras. A transparência é um princípio fundamental da governança ambiental, e sua ausência neste contexto evidencia a necessidade de reformas institucionais que promovam maior accountability e participação social. Além disso, a falta de educação ambiental ampla e acessível contribui para a perpetuação de comportamentos inadequados, como o descarte irregular de resíduos, que impactam diretamente a qualidade das praias.

A sociedade precisa reagir: rumo a uma agenda transformadora e participativa

É inaceitável que o governo estadual trate a poluição das praias como uma fatalidade climática ou um problema inevitável. Na realidade, a origem do problema está na negligência, na ausência de fiscalização e na omissão diante de interesses econômicos que priorizam o lucro em detrimento do meio ambiente.

A população deve exigir mais do que comunicados genéricos e ações esporádicas. É imperativo que as autoridades realizem coletas regulares de amostras de água, divulguem relatórios acessíveis e estabeleçam punições severas para os responsáveis pela poluição. Sem medidas robustas e transparentes, continuaremos presos a uma farsa ambiental que beneficia poucos enquanto prejudica a saúde pública, a economia local e os ecossistemas marinhos.

Além disso, é fundamental que a sociedade civil assuma um papel ativo na fiscalização e no monitoramento das políticas públicas de saneamento. A criação de conselhos comunitários, compostos por representantes locais, pode ser uma estratégia eficaz para garantir a participação popular e promover a transparência na gestão ambiental.

*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá. Membro do Conselho Deliberativo da EngD

Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir de comunicados oficiais, análises recentes sobre a qualidade da água no litoral paulista e reportagens sobre o tema.”

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