Pesquisa Milionária e Protagonismo Pobre

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José Manoel Ferreira Gonçalves
 Engenheiro, advogado e jornalista

Espanto estatístico: 48 mil entrevistados

Poucas vezes uma pesquisa chamou tanta atenção quanto a divulgada pelo Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia). O motivo? Nada menos que a amostra gigantesca de 48 mil entrevistas entre setembro de 2024 e fevereiro de 2025.

A amostra envolveu custos significativamente elevados: R$ 2.760.653,50, conforme registrado na Ata da Sessão Pública para Abertura de Envelopes referentes à Contratação de Serviços Especializados, realizada em 9 de agosto de 2024 (anexo 1 – final da postagem). Diante disso, a dimensão financeira da pesquisa demanda justificativas técnicas claras, fundamentadas e passíveis de auditoria. Por esse motivo, solicitamos a realização de uma reunião com a empresa responsável pelo estudo, a fim de esclarecer os critérios metodológicos adotados e os procedimentos efetivamente executados.

Simultaneamente, também encaminhamos solicitação formal ao Confea, questionando pontos fundamentais da pesquisa, tais como: o questionário aplicado e a estrutura do instrumento de coleta de dados; a metodologia adotada, incluindo os critérios de amostragem e fundamentos científicos; o custo total da pesquisa e os contratos envolvidos; a origem dos dados utilizados (primários ou secundários); e a disponibilização dos dados estatísticos brutos para análise pública (anexo 2).

A frase “renda e empregabilidade de profissionais”

No conteúdo patrocinado pelo Confea no UOL, destaca-se que “os profissionais registrados ganham mais que a média nacional – inclusive acima da média dos advogados –, pois 68% das famílias possuem renda superior a cinco salários-mínimos”. No entanto, não está claro se esses dados refletem a realidade da categoria ou apenas retratam parte dela. Falta indicar se o levantamento servirá para nortear políticas de valorização da engenharia ou apenas cumpre um papel publicitário.

Se os números estiverem corretos, a engenharia vive um momento auspicioso. Contudo, esse quadro não condiz com a realidade de milhares de engenheiros subaproveitados, mal remunerados, muitos uberizados ou pelo menos sujeitos à alta rotatividade, especialmente na construção civil e na indústria. Esses profissionais lidam com um mercado fragilizado desde os efeitos destrutivos da Lava Jato, que, ao enfraquecer a engenharia nacional, serviu interesses externos.

Renda e empregabilidade de profissionais

Foi essa dissonância entre os dados e a realidade que motivou o movimento Engenheiros pela Democracia a protocolar pedido de acesso à informação no Portal da Transparência. A meta é conhecer a metodologia usada e verificar se os dados são robustos, consistentes e acessíveis à sociedade. O custo da pesquisa e sua veiculação em ano pré-eleitoral, com tom publicitário, suscitam dúvidas sobre os reais objetivos da iniciativa.

Mais importante que divulgar pesquisas é que o Confea, não isoladamente, mas em conjunto com as forças vivas e independentes da engenharia nacional construam um programa concreto para enfrentar a realidade que os dados supostamente revelam. Como romper os entraves ao desenvolvimento nacional? Como resgatar o protagonismo da engenharia em um país que precisa urgentemente investir em infraestrutura, ciência e desenvolvimento industrial? Um país que relega seus engenheiros ao desalento jamais conseguirá alcançar soberania tecnológica e econômica.

A fronteira entre estatística e propaganda

Ainda que a Quaest tenha boa reputação em levantamentos políticos, isso não a exime de responsabilidade com a transparência e rigor metodológico neste caso. A engenharia, por sua importância estratégica, não pode ser reduzida a slogans nem a peças publicitárias caras. Os dados precisam servir para diagnóstico e ação, não para enfeitar relatórios ou campanhas institucionais.

Renda e empregabilidade de profissionais é uma pauta séria demais para ser instrumentalizada. O que se espera é compromisso com a verdade, e não com narrativas. Se a intenção é valorizar a profissão, o caminho é ouvir a base, investir na formação, garantir empregos qualificados e inserir a engenharia no projeto de nação. Sem isso, restará apenas a memória de uma pesquisa festiva e cara em um futuro incerto.

*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá.

Declaração de Fontes:
As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir dos dados divulgados pelo Confea, Portal da Transparência do Governo Federal, UOL e declarações públicas do movimento Engenheiros pela Democracia.

Anexo 01

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