Por José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista
Sócio do Corinthians desde 1982, #55paixãocorintiana, #zemanoel
Torcedores iludidos pela cultura submissa capital
Nos últimos anos, o Brasil testemunhou uma silenciosa transformação no imaginário coletivo de uma parcela significativa da população. Ídolos do capital, como Eike Batista, Steve Jobs, Bill Gates e, mais recentemente, Elon Musk, ocuparam o lugar de referência e admiração, substituindo figuras de luta social, de cultura popular e até de identidade nacional. Trata-se de um processo contínuo de imposição simbólica promovido pelo capital, que se aproveita das redes sociais, da linguagem publicitária e de narrativas sedutoras para promover a cultura submissa capital.
Nesse processo, o trabalhador precarizado — como o entregador de aplicativo que cruza a cidade de bicicleta — passa a enxergar a si mesmo como “empreendedor”. O caixa de supermercado se sente um “parceiro da empresa”. O funcionário explorado se vê como “investidor” ao comprar ações de empresas falidas, iludido por promessas de sucesso fácil. Foi assim com as empresas do Grupo X, que seduziram milhares de pequenos investidores a despeito de fundamentos frágeis e uma governança duvidosa. E é assim também com a idolatria atual a bilionários da tecnologia que pouco têm a ver com a realidade da população brasileira.
O Corinthians como trincheira popular contra a cultura submissa capital
Agora, esse movimento ameaça algo ainda mais simbólico e profundo: o Sport Club Corinthians Paulista. Mais que um clube de futebol, o Corinthians é uma instituição social, nascida no seio do povo operário de São Paulo. Uma associação, não uma empresa. Uma paixão, não um negócio. E, ainda assim, diante de um discurso aparentemente técnico e racional — de modernização, profissionalismo e investimentos —, surge a proposta de transformar o clube em uma SAF.
O que está em jogo não é apenas a administração do futebol. É a identidade de um coletivo. Transformar o Corinthians em empresa é renunciar a sua alma popular para entregá-la ao mesmo capital que fabrica ídolos como Musk, Jobs e outros, e que transforma sonhos coletivos em instrumentos de lucro privado. Seria colocar o clube na vitrine da cultura submissa capital, à mercê de interesses empresariais que pouco compreendem ou valorizam a Fiel.
Resistência à mercantilização dos afetos
Não se trata de ignorar os problemas administrativos ou financeiros do clube. Mas sim de lutar para que as soluções não passem pela descaracterização de sua natureza associativa. A história do Corinthians é feita de resistência, de superação e de povo. Ceder à lógica empresarial não é apenas um erro estratégico; é uma traição à própria essência do clube.
O que nos vendem como progresso é, na verdade, uma forma de controle. Ao transformarem nossos clubes em empresas, querem fazer com que torcedores se tornem consumidores, clientes, dados em planilhas. A paixão vira produto. O grito de gol vira ativo. E o estádio vira vitrine.
O que está em risco é a alma do futebol
Estamos diante de uma bifurcação histórica. O caminho fácil, sedutor, vendido como “solução empresarial”, levará ao enfraquecimento do sentimento de pertencimento da torcida. Um clube que pertence a seus torcedores não pode ser vendido como mercadoria. Se o Corinthians for privatizado, aos poucos deixará de ser o time do povo para se tornar apenas mais um negócio nas mãos de poucos.
É tempo de resistir. De levantar a voz. De lembrar que nem tudo tem preço. A cultura submissa capital não pode tomar aquilo que é nosso por direito, por história, por luta.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é Engenheiro Civil, Advogado, Jornalista, Cientista Político e Escritor. Pós-doutor em Sustentabilidade e Transportes (Universidade de Lisboa). É fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva, coordenador do Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD) é um dos fundadores do Portal de Notícias Os Inconfidentes, comprometido com pluralidade e engajamento comunitário.
Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir de análises de comportamento social contemporâneo, dados públicos sobre o mercado financeiro e a estrutura da SAF, e de conteúdos publicados por veículos como BBC Brasil, CartaCapital, UOL Esporte e El País Brasil.”