Orientações do CRT-SP e fundamentos legais sobre o tema que vem gerando dúvidas entre técnicos e engenheiros
Publicado em 13 de outubro de 2025
Nos últimos meses, profissionais técnicos e responsáveis técnicos de empresas em todo o estado têm relatado o recebimento de notificações de multa emitidas pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (CREA-SP). Em muitos casos, as autuações têm se baseado apenas na Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) das empresas — sem comprovação de que as atividades executadas correspondem às atribuições de engenharia ou agronomia.
A situação, que vem provocando insegurança jurídica e prejuízos financeiros a profissionais do setor técnico, levou o Conselho Regional dos Técnicos Industriais do Estado de São Paulo (CRT-SP) a emitir um comunicado orientativo, com esclarecimentos sobre a competência legal para fiscalização e registro profissional.
Entenda o caso
De acordo com o CRT-SP, diversas empresas e técnicos têm sido notificados pelo CREA-SP sob a alegação de exercício de atividades privativas da engenharia. No entanto, em muitos casos, trata-se de atividades técnicas devidamente regulamentadas e fiscalizadas pelo Sistema CFT/CRTs, amparadas pela Lei nº 5.524/1964 e pelo Decreto nº 90.922/1985.
A Lei nº 6.839/1980 define que o registro de empresas deve ser feito no conselho competente em função da atividade básica ou da prestação de serviços a terceiros, evitando a duplicidade de registros.
Já a Lei nº 13.639/2018, que criou o Conselho Federal dos Técnicos Industriais (CFT), estabelece que apenas o Sistema CFT/CRTs tem competência para orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional dos técnicos.
Na prática, isso significa que empresas e profissionais cuja atividade principal se enquadra nas modalidades técnicas não estão obrigados a manter registro simultâneo no CREA-SP.
O que diz a Justiça
O entendimento sobre a vedação ao duplo registro tem sido reforçado pela jurisprudência.
Em fevereiro de 2023, a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) negou provimento a recurso do CREA-SP, reafirmando que não há amparo legal para exigir registro simultâneo em conselhos distintos quando a empresa já está inscrita no órgão fiscalizador de sua atividade principal.
O acórdão fundamenta-se na Lei nº 6.839/1980 e na interpretação de que o registro deve ocorrer “em razão da atividade básica da empresa”.
Decisões semelhantes vêm sendo confirmadas em outras instâncias, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já consolidou o entendimento de que a exigência de registro deve observar a atividade preponderante da empresa — e não o simples enquadramento do CNAE.
O que o técnico deve fazer se receber uma notificação
O CRT-SP recomenda que os profissionais técnicos e empresas notificadas pelo CREA-SP não efetuem o pagamento da multa antes de apresentar defesa administrativa.
O primeiro passo é encaminhar cópia da notificação para o e-mail sat@crtsp.gov.br, com o assunto “Multa do CREA-SP”.
A equipe do CRT-SP analisará o caso e poderá fornecer um modelo de carta de contestação, bem como auxiliar no processo de registro para quem ainda não estiver devidamente inscrito no conselho técnico.
“Nosso objetivo não é o confronto institucional, e sim a correta aplicação da lei”, destaca Roberto Munuera Reyes, gerente de fiscalização do CRT-SP.
“Tanto engenheiros quanto técnicos desempenham papéis essenciais. O que não podemos aceitar é que o profissional técnico, legalmente registrado, seja penalizado por exercer suas atribuições.”
Complementaridade e não competição
O debate sobre a competência fiscalizatória entre CREA e CRT, muitas vezes, reflete uma tensão histórica entre as categorias de engenheiros e técnicos.
De um lado, engenheiros questionam a ampliação das atribuições técnicas, temendo uma suposta “invasão de mercado”. De outro, técnicos defendem o reconhecimento da sua autonomia profissional, conquistada por lei há décadas.
Especialistas e representantes institucionais lembram que engenheiros e técnicos não competem — se complementam.
O engenheiro atua no planejamento, concepção e supervisão de sistemas complexos, enquanto o técnico tem papel essencial na execução, manutenção e operação prática desses projetos.
“O Sistema Profissional deve fortalecer a cooperação, não a fragmentação”, afirma Welington Guilherme Rezende, diretor administrativo do CRT-SP.
“Respeitar as competências de cada categoria é garantir qualidade, segurança e eficiência em toda a cadeia produtiva da engenharia e da tecnologia.”
Passo a passo para contestar a multa
- Leia atentamente a notificação.
Verifique prazos e fundamentos legais indicados no documento. - Reúna documentação comprobatória.
Contrato social, comprovante de registro no CRT-SP, notas fiscais, declaração de atividades, entre outros. - Envie o material ao CRT-SP.
O conselho analisará o caso e encaminhará orientação formal para contestação. - Protocole a defesa no CREA-SP dentro do prazo.
O CREA possui canal eletrônico específico para defesa e recurso:
www.creasp.org.br/autodeinfracao/defesa-recurso - Acompanhe o processo e evite o pagamento antecipado.
A cobrança fica suspensa enquanto o recurso estiver em análise.
O que está em jogo
Mais do que um impasse administrativo, a questão revela a necessidade de clareza regulatória e cooperação entre conselhos profissionais.
Ambos — CREA e CRT — têm a missão de proteger a sociedade, garantindo que apenas profissionais habilitados exerçam funções técnicas e de engenharia.
Quando suas atribuições se sobrepõem, quem perde é o próprio sistema profissional — e, por consequência, a sociedade.
O desafio, portanto, é avançar para uma convivência institucional madura, em que a valorização da engenharia caminhe lado a lado com o reconhecimento da importância do profissional técnico.
Fontes consultadas
- CRT-SP: “O que fazer em caso de notificação de multa do CREA-SP” — crtsp.gov.br
- Lei nº 6.839/1980 — Dispõe sobre o registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício profissional
- Lei nº 13.639/2018 — Criação do Conselho Federal dos Técnicos Industriais (CFT)
- TRF-3, Acórdão 0002081-51.2020.4.03.6114/SP (7 fev. 2023) — Vedação ao duplo registro profissional
- STJ — Resp 1.692.749/SP — Atividade básica da empresa como critério de registro
- CREA-SP: Procedimentos de defesa e recurso administrativo — creasp.org.br/autodeinfracao
- Resolução CONFEA nº 1.008/2004 — Processos de fiscalização e julgamento