Mentes em Guerra: As PsyOps Online e a Manipulação da Informação

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Por José Manoel Ferreira Gonçalves – Cientista Político
Pré-candidato a prefeito do Guarujá pelo PSol

O Novo Campo de Batalha: As Mentes Humanas

A era digital trouxe consigo um novo tipo de conflito, um campo de batalha invisível onde as armas são informações e as vítimas são as mentes humanas. As operações psicológicas (PsyOps) online, utilizando-se de bots, contas falsas e desinformação, representam uma ameaça crescente à integridade do debate público e à democracia.

As PsyOps, originalmente desenvolvidas no contexto militar, visavam influenciar a moral do inimigo, mas na era digital, elas transcendem os limites da guerra e se infiltram em todos os aspectos da vida, moldando opiniões, crenças e comportamentos. As redes sociais, com seus algoritmos que amplificam a homofilia e a polarização, se tornam um terreno fértil para a propagação de desinformação e a manipulação em larga escala.

Da Guerra Tradicional à Guerra Cognitiva: A Evolução das PsyOps

O conceito de PsyOps, embora tenha ganhado força no século XX, possui raízes históricas profundas, remontando à Antiguidade. A guerra sempre teve uma dimensão psicológica, buscando minar a moral do inimigo e influenciar a opinião pública. No entanto, a ascensão da psicologia como ciência no início do século passado e, posteriormente, o advento da internet e das redes sociais, proporcionaram ferramentas e alcance sem precedentes para a guerra cognitiva.

A guerra cognitiva, diferentemente da guerra tradicional, busca a vitória não pela força bruta, mas pela persuasão, pelo controle da narrativa e pela manipulação da percepção da realidade. As PsyOps, nesse contexto, atuam como ferramentas para influenciar emoções, crenças e, por fim, o comportamento de indivíduos e grupos, minando a confiança em instituições, semeando a discórdia e a polarização.

A Abordagem 4D e o Impacto das PsyOps Online

Ben Nimmo, pesquisador do Atlantic Council, descreve a “Abordagem 4D” como um conjunto de táticas utilizadas nas PsyOps online: descartar, distorcer, distrair e desanimar. Essa abordagem, explorando as vulnerabilidades da psique humana e a velocidade de propagação da informação online, visa destruir reputações, manipular a verdade, desviar a atenção de questões importantes e incutir medo e apatia.

O descarte, ou difamação, busca destruir a credibilidade de indivíduos ou instituições por meio de ataques pessoais, calúnias e boatos. A distorção, por sua vez, manipula a informação, apresentando fatos fora de contexto, omitindo informações relevantes ou criando narrativas falsas, com o intuito de confundir a opinião pública e influenciar a tomada de decisão.

A distração atua desviando a atenção de temas importantes, inundando o debate público com informações irrelevantes ou sensacionalistas, impedindo que questões cruciais sejam debatidas e soluções sejam buscadas. Por fim, a desmoralização busca incutir medo, apatia e desesperança, minando a confiança nas instituições, desacreditando a possibilidade de mudança e levando à passividade diante da manipulação.

As Ferramentas do Engano: Bots, Trolls e Astroturfing

As PsyOps online se valem de uma série de ferramentas para propagar a desinformação e manipular a opinião pública. Os bots, programas automatizados que simulam o comportamento humano, são utilizados para amplificar artificialmente mensagens, criar a ilusão de apoio a determinadas ideias ou atacar oponentes, disseminando mensagens de ódio e desinformação.

Os trolls, por sua vez, são indivíduos reais, pagos ou motivados por ideologias, que atuam de forma coordenada para amplificar determinadas narrativas, atacar oponentes, semear a discórdia e polarizar o debate. O astroturfing, por fim, busca criar a falsa impressão de um movimento popular espontâneo, utilizando-se de contas falsas e perfis falsos para dar a aparência de apoio massivo a uma ideia, produto ou figura pública.

Essas ferramentas, explorando a dinâmica das redes sociais e a vulnerabilidade humana à manipulação, amplificam o alcance e a efetividade das PsyOps online, criando um ecossistema de desinformação que erode a confiança nas instituições, polariza a sociedade e ameaça a democracia.

A Bolha da Desinformação: Algoritmos, Homofilia e a Câmara de Eco

Os algoritmos das redes sociais, embora prometam conectar pessoas e democratizar o acesso à informação, podem contribuir para a criação de bolhas de desinformação. Ao priorizar conteúdo que se alinhe às preferências do usuário, os algoritmos amplificam a homofilia – a tendência de nos conectarmos com pessoas que pensam como nós – e criam as chamadas “câmaras de eco”, onde somos expostos apenas a informações que confirmam nossas crenças, sem espaço para o contraditório ou para o confronto com outras perspectivas.

Essa dinâmica, combinada à proliferação de bots, trolls e conteúdo falso, cria um ambiente propício à manipulação, onde a desinformação se espalha rapidamente e a polarização se intensifica. A descrença na mídia tradicional, o declínio do jornalismo profissional e a crescente dependência das redes sociais como fonte de informação agravam o problema, tornando a população mais vulnerável à manipulação.

A Ascensão da “Física Social” e o Futuro da Guerra Cognitiva

A crescente quantidade de dados sobre o comportamento social online, coletados e analisados por empresas de tecnologia e governos, deu origem a um campo emergente conhecido como “física social”. Essa nova área busca entender e prever o comportamento humano em massa, utilizando modelos matemáticos e computacionais para analisar a dinâmica de grupos, a propagação de ideias e a influência social.

Embora a física social tenha um potencial positivo, como na otimização de campanhas de saúde pública ou na prevenção de desastres naturais, seu uso para fins de manipulação política é preocupante. A capacidade de prever e manipular o comportamento humano em larga escala, utilizando dados e algoritmos, representa uma ameaça significativa à democracia e à autonomia individual.

É crucial que a sociedade esteja consciente dos riscos da guerra cognitiva e das PsyOps online, exigindo transparência e regulamentação por parte das empresas de tecnologia, investindo em educação midiática e em jornalismo de qualidade, e promovendo o debate público sobre os desafios da era digital. A defesa da democracia e da liberdade individual depende da nossa capacidade de combater a desinformação, fortalecer o pensamento crítico e garantir que o debate público seja pautado pela ética, pela razão e pela busca pela verdade.

*José Manoel Ferreira Gonçalves é jornalista, cientista político, engenheiro, escritor e advogado. Pré-candidato a prefeito do Guarujá, pelo PSol. É presidente da Associação Guarujá Viva, AGUAVIVA, e da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias, Ferrofrente. Idealizador do Portal SOS PLANETA.

Fontes de Dados:

  • [1] SILVA, Roberto Figueiredo Cavalcanti da. O papel das Operações Psicológicas e da ação da mídia nas operações militares. Revista da Escola Superior de Guerra, v. 24, n. 49, p. 257-274, 2008.
  • [2] MARTINS, Cristiano Zaniin; MARTINS, Valeska Teixeira Zanin; VALIM, Rafael. Lawfare: uma introdução. Coimbra: Almedina, 2020. p. 77.
  • [3] LINDEN, Sander van der; ROOZENBEEK, Jon. Psychological inoculation against fake news. In: GREIFENEDER, Rainer; JAFFÉ, Mariela E., NEWMAN, Eryn J.; SCHWARZ, Norbert. The psychology of fake news: accepting, sharing, and correcting misinformation. Londres: Taylor & Francis, 2021., p. 150.
  • [4] FONSECA, Alexandre Brasil. Desinformação nas ciências e nas notícias: mais do que denunciar é preciso prenunciar. Disponível [aqui](link para o artigo). Acesso em 15/05/2022. Disponibilizado em 21/07/2020.

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