Apresentação, Sálvio Nienkötter
A passagem do século XIX ao século XX foi um momento de extrema importância na construção da malha ferroviária do Brasil. Foi nesta época que a exportação do café se consolidou na economia brasileira, a ponto de esse ser referenciado à época como “ouro negro”. Todo o estado de São Paulo, mais notadamente a sua região Oeste, o Vale do Paraíba, foi afetada positivamente por esse fato, que culminou na criação de pequenas cidades ao longo das novas ferrovias que ligavam os setores produtores do café ao porto de Santos.
Em sua nova obra, História das ferrovias paulistas, segunda de uma série de dez denominada História das Ferrovias no Brasil, José Manoel Ferreira Gonçalves traça a memória da construção de linhas férreas no estado de São Paulo. Sem se lançar à tradicional melancolia nostálgica, antes o contrário, o autor desenvolve uma linha de raciocínio bastante precisa e chega, inclusive, a propor soluções em meio à hipérbole do sistema rodoviário no país.
José Manoel não se prende à narrativa linear da história da malha ferroviária paulista, mas destaca os pontos cegos que, por vezes, deixaram de fazer parte da história oficial, como por exemplo que nem só de café viviam as ferrovias, mas acabavam por escoar também algodão, minérios, ferro, tecidos e até carga viva de bois.
A incorporação das ferrovias a companhias inglesas, que mais tarde seriam estatizadas e integradas a uma rede ferroviária nacional não dura muito: logo além surge o processo de rodoviarismo do país, que relega a segundo plano a malha ferroviária do estado. Longe do desenvolvimentismo paulista por conta do café, muitas dessas ferrovias se tornaram marcantes não apenas para a economia, mas para o imaginário cultural da população da região, que passou por crescimento vertiginoso ao redor de linhas férreas as quais muitas se tornaram nada além de ruínas urbanas.
Este segundo volume da série Ferrovias do Brasil, cujo primeiro livro contemplou a épica linha férrea de Madeira-Mamoré, desenvolve um estudo primoroso na historiografia das ferrovias de um país continental, que prefere preterir a um passado longínquo a prosperidade das ferrovias ao invés de atribuir a elas um protagonismo necessário. É de extrema importância lembrar que José Manoel, que dentre inúmeros outros títulos acadêmicos é doutor em engenharia, não atua apenas como pesquisador, é também militante presidindo uma das mais atuantes organizações ferroviárias do Brasil, a FerroFrente ampliando, assim, da teoria à prática o campo de visão do leitor.
Sálvio Nienkötter, editor-chefe Sendas Edições