José Manoel fala sobre Veredas Amazônicas em entrevista ao Fórum Entrevista

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A Amazônia entre história, devastação e esperança: os bastidores de Veredas Amazônicas

Em entrevista especial exibida no dia 13 de novembro, o presidente da Ferrofrente, Eng. José Manoel Ferreira Gonçalves, apresentou ao público seu novo livro Veredas Amazônicas, uma obra que busca redefinir a forma como o Brasil e o mundo enxergam a maior floresta tropical do planeta.

Na conversa, conduzida pela Revista Fórum, José Manoel detalhou as escolhas estruturais do livro, que propõe uma leitura multifacetada da Amazônia — não como um território homogêneo ou preso a estereótipos, mas como um vasto mosaico de vidas, histórias, conflitos e futuros possíveis.

Ao longo da entrevista, o autor abordou desde a complexidade sensorial e biológica da floresta até os impactos dos grandes empreendimentos de infraestrutura, como ferrovias, barragens e mineração, analisando o legado de devastação deixado por modelos tradicionais de “progresso”. Também refletiu sobre soberania, diplomacia ambiental e o papel estratégico do Brasil em um cenário global marcado pelas mudanças climáticas e pela economia do carbono.

Apesar de expor contradições profundas e cicatrizes históricas, a obra aponta caminhos concretos para um futuro sustentável — apostando na bioeconomia, na ciência, na cultura e nos saberes ancestrais como pilares de um novo modelo de desenvolvimento. Veredas Amazônicas emerge, assim, como um convite à escuta e à reconexão com esse território que é ao mesmo tempo bioma, cultura, símbolo e projeto de país.

A entrevista ganhou profundidade à medida que José Manoel respondeu às questões que atravessam Veredas Amazônicas: o mosaico de histórias que compõe a floresta, os conflitos entre progresso e devastação, a arte que imagina o território e a esperança que renasce das próprias raízes amazônicas. Separamos alguns trechos onde o autor compartilha as motivações, inquietações e visões de futuro que sustentam a obra, confira a seguir!

O título “Veredas Amazônicas” sugere múltiplos caminhos e, já na apresentação do livro, como editor, menciono que a Amazônia não é uma “história única”, mas um “mosaico de histórias entrelaçadas”. Qual foi sua principal motivação ao estruturar o livro dessa forma? E como o senhor espera que esse “mosaico” transforme a percepção do leitor, que muitas vezes enxerga a Amazônia apenas pelos estereótipos do “paraíso intocado” ou do “inferno verde”?

José Manoel: Minha intenção, desde o início, foi justamente romper essa visão monolítica. A Amazônia que povoa nosso imaginário costuma aparecer em imagens panorâmicas ou nesses clichês contrastantes de paraíso ou inferno. A realidade, porém, é muito mais complexa. Ela é um verdadeiro “universo de universos”.

Para traduzir isso em livro, não seria possível seguir um único caminho. As “veredas” representam exatamente esses múltiplos trajetos que compõem a floresta. Por isso, a obra convida o leitor a uma jornada que começa pelo sensorial, pelo quase invisível: a “sinfonia” dos insetos noturnos, os “sussurros químicos” entre raízes e fungos. Depois, avançamos pelas veredas dos fenômenos naturais, como os rios voadores e as árvores que “caminham”.

Essas veredas naturais, no entanto, se entrelaçam com as veredas humanas. Seguimos então pelas trilhas da sabedoria ancestral, ouvindo as “vozes da terra” dos anciãos e dos curandeiros. E, inevitavelmente, essas trilhas desembocam nas “cicatrizes na folhagem” — as memórias históricas do ciclo da borracha, das revoltas como a Cabanagem e dos grandes projetos de “progresso” que deixaram marcas profundas e ecos de devastação.

Por fim, percorremos as veredas da imaginação — como a arte e a literatura representaram a floresta — e as veredas do futuro, onde convivem a distopia do “chão devastado” e a esperança da “resiliência verde”.

Só ao caminhar por todas essas veredas — da escala microscópica à política internacional — o leitor começa a perceber a totalidade. A Amazônia não é uma nota única; é, de fato, uma sinfonia complexa.

O livro dedica muitos capítulos (como os 6, 7, 8 e 10) aos grandes projetos de desenvolvimento — ferrovias, rodovias, barragens, mineração — tratando-os como “promessas de progresso, ecos de devastação”. O senhor descreve a Transamazônica como um “desastre socioambiental” e Belo Monte como a “cachoeira que se calou”. Diante desse histórico, o senhor acredita que o “progresso” na Amazônia é uma ilusão? Ou existem caminhos viáveis?

José Manoel: Essa é, talvez, a pergunta central que o livro levanta: “o que chamamos de progresso vale as perdas causadas?”. O histórico é, de fato, trágico. A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, por exemplo, foi a “ferrovia dos sonhos perdidos”, engolida pela floresta. A Transamazônica tornou-se um símbolo de abandono. Balbina é o “lago das árvores mortas”. E Belo Monte calou o Xingu, alterando irreversivelmente a vida de povos inteiros. O garimpo ilegal, por sua vez, deixa um “rastro de mercúrio”, e a cobiça da soja e da pecuária avança como “rainhas” sobre a terra.

Esse modelo, baseado na ideia de “domar a selva”, impondo projetos grandiosos sem respeitar ecossistemas e vidas enraizadas, provou ser uma ilusão. Gerou riqueza para poucos e deixou um rastro de desastre socioambiental.

No entanto, o livro não sucumbe ao desespero. Ele mostra que existem, sim, outros caminhos — outras “veredas” para o futuro. A esperança está justamente em inverter a lógica. Em vez de impor um progresso de fora para dentro, precisamos ouvir a floresta. Os capítulos finais (13, 14 e 15) exploram esse horizonte.

A esperança está na “resiliência verde”, nas sementes que renascem. Está na “bioeconomia de afeto”, com projetos sustentáveis como açaí e castanha, que geram renda mantendo a floresta em pé. Está no “turismo de enraizamento”, que convida visitantes a aprender com as comunidades. Está na “jurisprudência verde”, que começa a debater se a natureza pode ter direitos. E está, finalmente, na formação dos “engenheiros-pajés”, pessoas capazes de unir ciência, tecnologia e saber indígena.

Portanto, o progresso não é uma ilusão — desde que o redefinamos. O verdadeiro progresso é a “economia do bem-viver”.

O senhor inicia a obra não pelos grandes conflitos políticos, mas pelo que chama de “Mil mundos sob o dossel (copas das árvores): a sinfonia invisível da vida” (Capítulo 1). O senhor fala em “orquestra oculta” dos insetos e “diálogos sussurrados entre raízes e fungos”. Por que essa escolha de começar pelo sensorial e pelo quase imperceptível?

José Manoel: Porque para entender a Amazônia, é preciso primeiro aprender a escutá-la. Como você disse na apresentação, somos apresentados a uma “Amazônia sensorial e quase invisível a olhos apressados”. Se começássemos direto pelo desmatamento ou pela política, estaríamos repetindo o erro de olhar para a floresta apenas como um recurso ou um problema.

Eu quis que o leitor sentisse a floresta antes de tentar entendê-la intelectualmente. Quis revelar que, sob a cobertura das copas de árvores, há “mil mundos”. Na calada da noite, há ritmos secretos sendo orquestrados por insetos; sob o solo, raízes e fungos trocam nutrientes e informações numa parceria ancestral. Ao amanhecer, as aves tecem melodias. Até a chuva se torna uma “sinfônica”.

Esse início é fundamental porque estabelece a premissa de que a floresta é um organismo vivo e complexo, um “universo de universos”. Somente depois de perceber essa complexidade biológica e sensorial é que podemos entender a profundidade do que está em jogo.

E essa vida invisível está diretamente ligada à vida humana. O Capítulo 3, “O canto dos ancestrais”, mostra exatamente isso. O conhecimento dos curandeiros, por exemplo, é o entendimento profundo dessa biodiversidade: “para cada planta, uma cura; para cada árvore, um conselho”. As “vozes da terra” que os anciãos compartilham nas clareiras estão em sintonia com essa sinfonia invisível.

Não se pode separar a biodiversidade verde das “culturas humanas vibrantes” que nela habitam. Começar pelo sensorial foi um convite para o leitor afinar seus sentidos antes de adentrar as veredas mais áridas da história e da política.

No capítulo “Soberania em xeque” (Capítulo 9), o senhor aborda a tensão entre o “olhar estrangeiro”, que vê a Amazônia como “patrimônio da humanidade”, e a “soberania nacional”. Como o senhor vê o papel do Brasil nesse debate global, especialmente considerando a “diplomacia verde” e a economia dos créditos de carbono?

José Manoel: Esse é um dos dilemas mais espinhosos da atualidade. A Amazônia é, inegavelmente, um “tesouro cobiçado”. Ela atrai olhares estrangeiros, seja pela cobiça de recursos, seja pela preocupação genuína com a conservação e o clima. A ideia de que ela é “patrimônio da humanidade” desperta, com razão, a sensibilidade da nação que a abriga.

O livro explora essa tensão. A “diplomacia verde” tornou a floresta uma peça-chave nas negociações globais do clima — ela virou “moeda de troca”. E aí surge a economia do carbono, a “moeda verde” que tenta remunerar a floresta em pé.

O Brasil se encontra numa encruzilhada. Afirmar a soberania não pode ser um pretexto para a inação ou a destruição. Por outro lado, aceitar a cooperação internacional não pode significar submissão. O debate mais profundo que o livro propõe está na seção “Guardiões ou donos?” (9.4). Quem são os guardiões legítimos? Os povos da floresta, que há milênios cuidam desse mundo, são meros “obstáculos ao progresso” ou os verdadeiros detentores de um “saber de convivência”? E o Estado age como protetor ou como “proprietário arbitrário”?

O futuro da soberania amazônica, na minha visão, passa por fortalecer esses guardiões internos. A soberania real se exerce protegendo o bioma e seus povos, e usando essa proteção como um ativo na diplomacia verde, exigindo que o mundo pague pelos serviços ambientais que a floresta presta a todos nós. O futuro não se decide apenas em Brasília ou nas capitais da região, mas também nas mesas de reuniões internacionais.

O senhor dedica dois capítulos inteiros (11 e 12) à “Amazônia imaginada”, ou seja, como ela foi retratada na arte, na literatura de viagem e no cinema. Por que foi importante incluir essa dimensão cultural e artística num livro que trata de temas tão concretos como biologia, história e economia?

José Manoel: Porque a Amazônia que existe na realidade é inseparável da Amazônia que “povoa sonhos e paletas”. As ações humanas na floresta real sempre foram — e continuam sendo — profundamente influenciadas pelos mitos que criamos sobre ela.

Eu precisava mostrar como a floresta foi “imaginada” para que pudéssemos entender por que agimos como agimos. Os cronistas e naturalistas dos séculos passados, por exemplo, escreveram relatos “salpicados de exagero e deslumbre”, alimentando o mito de um “Eldorado verde”. Ao mesmo tempo, artistas europeus pintaram o trópico guiados pelo imaginário do “bom selvagem” ou amedrontados pela “selva feroz”. Essas fantasias justificaram, em muitos momentos, a conquista e a exploração.

Da mesma forma, a literatura brasileira nos ajuda a sentir a Amazônia. Em “Folhas de papel, folhas da mata” (Capítulo 12), exploramos como nossos próprios artistas traduziram essa realidade. Os “versos de seiva e chuva” de Thiago de Mello, por exemplo, carregam o amor e a indignação pela terra natal. Romances como A Selva, de Ferreira de Castro, ou as obras de Milton Hatoum, nos transportam para a dureza do ciclo da borracha ou para a complexidade urbana de Manaus. A música — das toadas de boi-bumbá aos compositores eruditos — também ecoa os sons da mata.

Incluir esses capítulos foi essencial para mostrar que a Amazônia não é só um objeto de estudo científico ou um tabuleiro geopolítico; ela é também fonte de criação, um lugar que vive na “imaginação, na memória cultural e na criatividade humana”. E, claro, a arte mais fundamental é a “arte nativa”, os grafismos indígenas, que nos lembram que, para os povos originários, a arte sempre foi uma forma de conhecimento e reverência.

Apesar de o livro documentar tantas “cicatrizes”, “sonhos esfacelados” e “presentes distópicos”, a obra termina com capítulos propositivos, falando em “Constelações de Sumaúma” (Cap. 14) e “Tecendo amanhãs” (Cap. 15). Onde o senhor encontra esperança para a Amazônia? O senhor realmente acredita que conceitos como “bioeconomia de afeto” e “engenheiros-pajés” podem reverter o quadro atual?

José Manoel: A esperança não é uma escolha ingênua; ela é uma necessidade e, mais importante, ela é baseada em fatos. O livro não foge da dureza. Ele mostra o “chão devastado”, as clareiras onde a selva chorou. Mas, como a apresentação ressalta, o livro “não nos deixa sucumbir ao desespero”. Imediatamente, ele mostra a “resiliência verde”.

A esperança está nas “sementes que renascem das cinzas”. Ela reside em novas e velhas formas de conhecimento. No Capítulo 14, “Constelações de Sumaúma”, vemos a esperança na ciência: o “olho orbital” dos satélites que vigiam o desmatamento e a ciência que desvenda o “genoma da floresta”, exigindo uma bioprospecção ética. Ela está em debates legais inovadores, como a “jurisprudência verde”, que pergunta se a natureza pode ter direitos.

E, de forma mais concreta, no Capítulo 15, “Tecendo amanhãs”, a esperança está nas iniciativas que já estão em curso. A “bioeconomia de afeto” não é uma teoria futura; são os projetos de castanha, açaí e óleos essenciais que já mostram ser possível gerar renda mantendo a floresta em pé. O “turismo de enraizamento” já convida visitantes a aprender com as comunidades, e não apenas a olhar para elas.

A ideia dos “engenheiros-pajés” é a síntese dessa esperança: a formação de uma nova geração que mistura ciência, tecnologia, saber indígena e arte. Pessoas que podem transitar entre o laboratório e a maloca, entre o digital e o ancestral, em prol de um século XXI mais equilibrado.

Portanto, minha esperança não é vaga. Ela é um “otimismo responsável”, baseado na criatividade humana e na imensa sabedoria da própria floresta, que sempre foram aliadas na construção de novos caminhos.

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