HISTÓRIA E DEMOCRACIA EM JOGO

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Por José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista
Sócio do Corinthians desde 1982
, #55PaixãoCorintiana

O peso de entregar o clube

Quando alguém diz, com orgulho, que o avô jogou a vida inteira pelo Corinthians, que paga o estádio, que paga até a areia usada nas obras, está falando de pertencimento. Está falando de família, de raiz, de história. E, no entanto, a mesma pessoa que afirma tudo isso defender que o clube se transforme em empresa e passe ao controle de terceiros é contradição grande, não é detalhe: ela mostra o conflito entre a emoção de ser Corinthians e a pressa de terceirizar a responsabilidade.

Sim, temos dívidas bilionárias, erros de gestão, gente que tratou o clube com descaso e, muitas vezes, com desrespeito. Criticar isso em voz alta faz parte do processo de cura. Mas, quando se salta do “são imbecis e ladrões” para “então vamos entregar o clube a um aventureiro”, abre-se mão justamente da solução mais difícil e mais honesta: reconstruir o Corinthians com o Corinthians nas mãos dos corinthianos.

Corinthians História Democracia Associativa

Defender que o Corinthians permaneça uma associação não significa defender o status quo. Pelo contrário, significa exigir reforma profunda, governança séria e transparência radical. Corinthians História Democracia Associativa é a síntese de um projeto em que o torcedor não entrega o clube, mas o retoma.

Em vez de vender o comando para um investidor que pode, amanhã, trocar de país ou de paixão, a sociedade pode mapear as dívidas por classe, reorganizar prazos, criar um fluxo de pagamento responsável, negociar descontos com metas de desempenho, implementar bônus baseados em resultado esportivo e financeiro. Essas ideias não são abstrações; elas formam um plano concreto, já aplicado em outros contextos econômicos, que preserva o controle social e democratiza as decisões.

Quando alguém pergunta “mas quem vai fazer isso?”, a resposta é incômoda e simples: nós. Nós, como coletividade organizada, com conselhos profissionalizados, com auditoria independente, com eleições transparentes e regras claras para afastar quem usa o clube como balcão.

Desafios financeiros e Corinthians História Democracia Associativa

Transformar o clube em empresa parece, à primeira vista, um atalho sedutor. O investidor chega, injeta dinheiro, contrata jogadores, promete títulos rápidos. No entanto, o preço oculto costuma ser a perda de voz do torcedor e a transformação da camisa em mera marca de portfólio. Quando o lucro vira o valor absoluto, o risco de o time se afastar da sua gente aumenta.

Ao insistir em Corinthians História Democracia Associativa, eu não romantizo a crise. Eu reconheço que os 2,7 bilhões de reais necessários não aparecem com discurso. Mas justamente por isso defendo que o plano de recuperação nasça da base social, aprovado em assembleia, acompanhado por órgãos de controle, com metas públicas e revisões anuais. Dívida não se enfrenta fugindo da responsabilidade; enfrenta-se assumindo as rédeas.

Chamar dirigentes de “imbecis e ladrões” alivia a raiva, mas não autoriza ninguém a entregar o clube de bandeja a um novo poder, agora blindado por contratos empresariais e por cláusulas que o torcedor comum jamais lerá. Se hoje, como associação, ainda existe caminho jurídico e político para corrigir rumos, amanhã, sob o domínio de um controlador privado, a torcida pode se descobrir mera cliente reclamando em caixa de comentários.

O amanhã que pertence à Fiel

O Corinthians já atravessou ditaduras, crises econômicas, rebaixamento, viradas históricas dentro e fora de campo. Em todas essas travessias, o que salvou o clube não foi um “salvador da pátria” com cheque em branco, e sim a capacidade da Fiel de se organizar, pressionar, ocupar espaços e exigir mudanças.

Hoje, o desafio é semelhante: ou aceitamos a narrativa de que só um investidor externo pode nos salvar, ou reafirmamos que o Corinthians pertence à sua gente e que essa gente é capaz de construir, com trabalho duro e inteligência, um modelo moderno, transparente e associativo. Entregar a nossa história pode parecer solução rápida; assumir a nossa história é escolha adulta.

Se o meu avô jogou pelo Corinthians, se eu pago o Corinthians, se eu vivo o Corinthians, então eu não aceito renunciar ao direito de decidir o futuro do Corinthians. Eu não entrego. Eu reformo, corrijo, cobro, fiscalizo. E, junto com milhões de corinthianos, assumo a responsabilidade de fazer do clube exemplo de gestão, e não vítima de mais uma promessa milagrosa.

*José Manoel Ferreira Gonçalves é Engenheiro Civil, Advogado, Jornalista, Cientista Político e Escritor. Pós-doutor em Sustentabilidade e Transportes (Universidade de Lisboa). É fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva, coordenador do Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD) é um dos fundadores do Portal de Notícias Os Inconfidentes, comprometido com pluralidade e engajamento comunitário.

Declaração de Fontes:
As informações contidas neste artigo baseiam-se na transcrição de parte de um debate em podcast entre mim e José Darcio, em estudos de gestão esportiva e governança de clubes no Brasil, em análises acadêmicas sobre clubes associativos e modelos empresariais, e em reportagens e dossiês produzidos por veículos esportivos e econômicos nacionais.

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