*José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista
Uma engenharia sem independência
O atual cenário da engenharia nacional exige mais do que discursos genéricos e fóruns inócuos. Quando se fala em engenharia e soberania nacionais, o mínimo esperado é que os protagonistas do debate tenham histórico limpo, compromisso com o interesse público e capacidade crítica. O que se vê, no entanto, é a consolidação de um simulacro de mobilização — festivo, confuso e simbólico — que mascara desvios graves com ares de engajamento técnico-político.
Eventos como o chamado “Fórum da Engenharia Nacional”, realizado no Rio de Janeiro, escancaram o esvaziamento ético de um setor que, em tese, deveria ser guardião do bem público. Na abertura, nomes ligados a escândalos dentro do CREA-SP, incluindo o ex-presidente Vinícius Marchesi, foram alçados a protagonistas e patrocinadores. Esses mesmos nomes estiveram no centro de denúncias sobre desaparecimento de votos, manipulação eleitoral e má aplicação de montantes milionários de recursos arrecadados dos profissionais no conselho de classe.
Engenharia e soberania nacionais em risco
Ao contrário do que pregam, esses encontros não buscam construir uma política de longo prazo. Trata-se de uma mobilização efêmera, desarticulada, descolada das estruturas de controle e incapaz de gerar impacto institucional efetivo. O ruído é interno, hermético e sem coesão. Dissolvem-se rapidamente após o último discurso.
Enquanto isso, a engenharia brasileira permanece refém de uma máquina corporativista que financia eventos com recursos públicos — dinheiro arrecadado de profissionais por meio de anuidades e ARTs. Esses recursos deveriam estar voltados à valorização da profissão, à inovação, à fiscalização e à prestação de contas. Não é aceitável que verbas do sistema sejam utilizadas para finalidades que fogem ao seu propósito e alimentam um teatro político com aparência de ação coletiva.
Como exigir soberania se os recursos dos engenheiros estão sendo aplicados em atividades que não produzem resultados concretos para a categoria, nem fortalecem a independência da engenharia brasileira? O compromisso com a sociedade exige coerência entre discurso e prática. Não se trata de palco, nem de autopromoção, e sim de responsabilidade técnica, republicana e institucional.
Mobilização simbólica, ação nula
O discurso da união tem sido instrumentalizado para encobrir conveniências políticas e reinserções oportunistas. “Estamos todos juntos pela engenharia” virou bordão para reconstruir imagens desgastadas, sem que haja qualquer enfrentamento real às causas das crises. Soberania nacional não se constrói com alianças artificiais ou reconduções injustificáveis.
Mais do que visibilidade, a engenharia precisa de autoridade moral, integridade e compromisso com o bem comum. A continuidade de abusos, como a permanência por três mandatos sucessivos de figuras já comprometidas com irregularidades, reforça a ideia de um sistema capturado. O abuso da função pública se perpetua quando os mesmos de sempre voltam ao comando, blindados por pactos silenciosos.
Não basta visibilidade: é preciso responsabilidade
A engenharia brasileira clama por reformas estruturais, independência de pensamento e firmeza contra os abusos. Não há como defender engenharia e soberania nacionais ao lado de quem desvia recursos, manipula eleições e bloqueia qualquer tentativa de fiscalização autônoma.
Esse texto é um chamado à responsabilidade. Ou retomamos o caminho da integridade e da coerência com os princípios da engenharia, ou seguiremos reféns de festivais de vaidade pagos com recursos que deveriam servir ao interesse público.
Defender a soberania é, antes de tudo, reestabelecer a confiança no sistema. Separar o joio do trigo não é um gesto simbólico, é uma urgência histórica.
*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá. Membro do Conselho Deliberativo da EngD
Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir de relatos do autor, documentos públicos do sistema Confea/Crea, e registros de eventos recentes da engenharia nacional.”