Uma manifestação encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados acendeu o alerta sobre os impactos do Projeto de Lei nº 1.024/2020 no exercício da engenharia nacional. O documento, assinado pelo engenheiro José Manoel Ferreira Gonçalves, aponta riscos estruturais à soberania técnica do país, à formação profissional e ao mercado de trabalho qualificado caso o texto seja aprovado na forma atual.
Na carta, o engenheiro destaca que o PL amplia a possibilidade de atuação de profissionais estrangeiros no Brasil sem assegurar, na prática, critérios rígidos de reciprocidade, fiscalização eficaz e proteção à engenharia nacional. Como exemplo, ele cita a legislação chinesa, que impõe exigências rigorosas para que engenheiros estrangeiros possam atuar naquele país, como experiência comprovada, patrocínio empresarial, sistema de pontuação e proficiência no idioma. Segundo o autor, enquanto países como a China protegem seus profissionais e seu mercado, o Brasil avança em um movimento inverso, de abertura indiscriminada.
O documento também critica o modelo de atração de investimentos estrangeiros baseado em subsídios públicos, financiamentos do BNDES e isenções fiscais. De acordo com a manifestação, muitas dessas empresas acabam explorando recursos naturais e mão de obra local, gerando poucos empregos permanentes, com baixa transferência de tecnologia e quase nenhum conteúdo local, funcionando, na prática, como operações “offshore” dentro do território nacional.
Outro ponto sensível destacado é a fragilidade dos mecanismos de fiscalização. O engenheiro alerta para a possibilidade de profissionais estrangeiros ingressarem no país com vistos temporários ou de turista, atuando como técnicos, mas exercendo funções típicas de engenharia. Segundo ele, é comum a chegada de projetos básicos prontos do exterior e a execução de obras por equipes especializadas de fabricantes, sem distinção clara entre assistência técnica, comissionamento, operação e manutenção, muitas vezes sob supervisão remota de engenheiros estrangeiros.
Para José Manoel Ferreira Gonçalves, a aprovação do PL 1.024/2020 como está pode resultar na entrega de atribuições profissionais a critérios discricionários, no enfraquecimento da formação técnica nacional, na redução do conteúdo local, na insegurança jurídica sobre o exercício profissional e no aumento da dependência tecnológica externa, além da precarização da engenharia e da eliminação gradual de postos de trabalho qualificados.
A carta também questiona a constitucionalidade de dispositivos do texto aprovado na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), especialmente os incisos que permitem o registro temporário de títulos estrangeiros com base em critérios definidos pelos Conselhos Federal e Regionais, ainda que condicionados ao princípio da reciprocidade. Para o autor, tais dispositivos conflitam com princípios constitucionais e colocam em risco a autonomia e a solidez do sistema profissional brasileiro.
Segundo informações mencionadas no documento, o parecer do relator na CCJC, deputado Cleber Verde (MDB-MA), já foi apresentado com indicação de aprovação. Como o projeto tramita em regime de prioridade e pode ter apreciação conclusiva, existe a possibilidade de seguir diretamente ao Senado ou até à sanção presidencial, sem passar pelo Plenário da Câmara, caso não haja requerimento específico de parlamentares.
Diante desse cenário, o engenheiro faz um apelo para que a CCJC reflita profundamente sobre os impactos estratégicos do PL 1.024/2020. Para ele, trata-se de uma pauta que ultrapassa o debate corporativo e atinge diretamente a segurança das obras, o futuro da formação profissional e a soberania tecnológica do país. O autor defende que o tema seja levado ao Plenário da Câmara, garantindo transparência, participação qualificada e um exame constitucional e estratégico compatível com sua relevância.
Ao final, José Manoel Ferreira Gonçalves coloca-se à disposição para contribuir tecnicamente com o debate e reforça que a discussão ainda está em aberto, sendo fundamental a mobilização para evitar prejuízos irreversíveis à engenharia brasileira.