Democracia Ameaçada por Canalhas

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*José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista

Marina Silva é muito mais do que a atual ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil. Ela personifica a ética na política e a coerência ideológica, com uma trajetória pessoal e profissional admirada mundialmente. Mulher, negra, filha de seringueiros pobres do Acre e educada na base do esforço próprio, Marina construiu uma carreira pautada pela defesa intransigente da sustentabilidade ambiental e da justiça climática. Não por acaso, tornou-se referência global nesses temas. Seu nome evoca respeito não só entre ambientalistas, mas entre estadistas e organizações internacionais que reconhecem nela uma liderança genuína em prol de um futuro mais verde e justo. Em contraste, as agressões que ela sofre partem de canalhas que ameaçam os valores democráticos com mentiras e ódio – uma ameaça à democracia que precisa ser denunciada e combatida.

Uma trajetória de ética e reconhecimento internacional

Marina Silva construiu ao longo de décadas uma imagem de política íntegra e comprometida com causas socioambientais. Sua coerência entre discurso e prática rendeu-lhe prêmios e homenagens pelo mundo. Em 1996, ainda jovem senadora, foi laureada com o Prêmio Goldman de Meio Ambiente, considerado o “Nobel verde”, pelo protagonismo na proteção da Amazônia. Anos depois, em 2007, recebeu o título de Campeã da Terra (Champions of the Earth), maior honraria da ONU na área ambiental, em reconhecimento à sua atuação incansável pela preservação da floresta amazônica e valorização das comunidades tradicionais. Nesse mesmo ano, um jornal britânico a incluiu entre as 50 pessoas no mundo que mais “ajudaram a salvar o planeta”. Tais reconhecimentos internacionais sublinham que a liderança de Marina não é local, mas planetária – ela é vista como uma voz moral em questões climáticas e de desenvolvimento sustentável.

Ao longo de sua carreira, Marina acumulou conquistas concretas que reforçam sua credibilidade. Quando foi ministra do Meio Ambiente pela primeira vez (2003–2008), o Brasil alcançou reduções históricas nas taxas de desmatamento na Amazônia, chegando ao segundo menor nível em vinte anos. Políticas públicas como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento, articuladas por ela, provaram ser eficazes em frear a devastação sem travar a economia. Novamente no ministério desde 2023, já colhe resultados notáveis: queda de 46% no desmatamento em comparação com 2022, em apenas dois anos de gestão. Tamanha efetividade reflete sua postura técnica e baseada em evidências científicas. Não surpreende, portanto, que uma importante revista internacional a tenha incluído na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2024, destacando que Marina, como ministra, está “reconstruindo a capacidade do Brasil de frear o desmatamento ilegal” e defende bravamente a transição energética dos fósseis para fontes renováveis. Até espécies recém-descobertas na Amazônia levam seu nome em homenagem ao seu legado de proteção às florestas. Em suma, Marina Silva reúne atributos raros na vida pública: honestidade, coerência programática e reconhecimento global – características que a tornam alvo de admiração dos democratas e, lamentavelmente, de ataques vis por parte de setores antidemocráticos.

A campanha de desinformação orquestrada pela ultradireita

Tamanho prestígio de Marina Silva contrasta com a campanha difamatória movida contra ela por setores da ultradireita brasileira, especialmente o bolsonarismo. Desde a campanha eleitoral de 2022 – quando Marina declarou apoio a Luiz Inácio Lula da Silva – intensificou-se uma ação coordenada de produção de fake news, memes ofensivos e vídeos manipulados visando deslegitimá-la como figura pública. Influenciadores bolsonaristas atuam em rede para disseminar boatos absurdos sobre Marina, numa tentativa de minar sua credibilidade construída em mais de quatro décadas de vida pública. Essa articulação envolve desde ex-membros do governo anterior até youtubers e perfis anônimos nas redes.

Um exemplo sintomático é o vídeo divulgado por um ex-secretário bolsonarista, que distorce fatos para atacar Marina. No material amplamente difundido, ele a acusa, sem qualquer evidência, de querer “internacionalizar a Amazônia” – reciclando a teoria conspiratória de que ambientalistas desejam entregar a floresta a potências estrangeiras. Outra peça típica é promovida por um canal de influenciadora notória por espalhar desinformação. Esse canal, que já foi punido por instâncias eleitorais por propagar fake news, tem mais de um milhão de inscritos e historicamente isenta Jair Bolsonaro de qualquer culpa pelo desmatamento recorde, culpando forças naturais ou inimigos imaginários. Em um vídeo de 2019, por exemplo, atribuiu as queimadas na Amazônia ao “fenômeno natural da seca”, numa tentativa descarada de absolver o governo e negar a responsabilidade humana, versão desmentida por pesquisadores. Esse tipo de conteúdo enviesado não é isolado, mas parte de uma estratégia: atacar Marina é uma forma de atacar a política ambiental séria que ela representa, desviando a atenção dos verdadeiros culpados pela crise ecológica.

Estudos recentes confirmam a existência dessa máquina de desinformação ambiental operando nas redes. Um relatório acadêmico mapeou o debate digital em múltiplas plataformas e descobriu que Jair Bolsonaro e parlamentares aliados lideraram a difusão de narrativas falsas sobre a agenda ambiental nos últimos anos. Entre as mensagens semeadas por essa rede estavam as ideias de que “o agronegócio não tem impacto negativo”, de que “estrangeiros querem roubar a Amazônia” e que “ambientalistas sabotam o progresso do país”. Tudo para minimizar a destruição ambiental ocorrida no governo anterior e desacreditar vozes como a de Marina. Esses dados mostram como a oposição às pautas ambientais se estruturou em mentiras repetidas à exaustão, criando uma bolha de desinformação que dificulta o debate racional. A própria Marina já alertou que as fake news “promovem a destruição da realidade” e servem para manter modelos de poder que concentram riqueza às custas do meio ambiente. Uma organização de jornalismo ambiental monitorou os ataques on-line contra Marina e identificou dezenas de vídeos difamatórios circulando em plataformas digitais. Dois desses vídeos ultrapassaram 400 mil visualizações cada, propagando falsidades como uma suposta ligação da ex-ministra com bancos e empresas, ou a acusação de que ela integraria um plano para vender a Amazônia a estrangeiros. Nenhuma dessas alegações apresenta prova ou fonte confiável – são construções feitas sob medida para difamar. Mesmo boatos antigos e já desmentidos são reciclados: em 2019, após Marina criticar Bolsonaro pelos incêndios florestais, voltou a circular nas redes a falsa acusação de que o marido de Marina seria um dos maiores desmatadores da Amazônia, dono de toras ilegais de mogno. Tal mentira, originada anos antes, foi desmontada por verificadores de fatos, mas ressurge de tempos em tempos como arma de calúnia. Esses casos evidenciam uma operação coordenada de assassinato de reputação, em que vídeos editados, memes pejorativos e textos maliciosos são compartilhados em massa para erosionar a imagem de Marina Silva junto a parte do público.

Importa frisar: não se trata de críticas legítimas ou divergências políticas normais, mas de desinformação deliberada, com nítido objetivo político. Como observou uma pesquisadora da área, há “uma intenção política por trás da divulgação orquestrada de fake news sobre o tema ambiental” – é uma velha tática de guerra travestida de debate público. Os mentores dessa campanha difamatória sabem que desacreditar Marina Silva significa enfraquecer toda a agenda ambiental e de direitos humanos que ela defende. Estamos diante de um embate desigual: de um lado, fatos científicos, indicadores ambientais e uma trajetória idônea; do outro, a fábrica de mentiras que explora o sensacionalismo e os preconceitos para manipular a opinião pública. A consequência é grave: quando a verdade é distorcida e o ódio é instigado, a própria democracia fica ameaçada por esses canalhas que agem nas sombras da internet.

Misoginia, racismo e ódio antiambiental

Não é coincidência que Marina Silva seja alvo preferencial dessa fúria reacionária. Ela reúne características que incomodam profundamente os setores mais retrógrados: é uma mulher em posição de poder, negra, oriunda da Amazônia e defensora dos povos tradicionais. Esses elementos combinados fazem dela vítima de ataques misóginos, racistas e antiambientais – uma tríade de preconceitos entranhados que transparece nos discursos dos detratores. O machismo estrutural se revela nas tentativas frequentes de menosprezá-la ou humilhá-la publicamente pelo fato de ser mulher. Um episódio recente no Senado Federal escancarou essa violência de gênero: durante uma sessão, um senador dirigiu-se à ministra de forma insultuosa, dizendo: “Olhando para a senhora, estou falando com a ministra, e não com uma mulher”. Marina prontamente retrucou: “Eu sou as duas coisas”, ao que o senador retrucou com deboche: “A mulher merece respeito, a ministra, não”. Diante de tamanha grosseria e desrespeito, Marina Silva abandonou a sessão – um ato de dignidade diante da ofensa. O caso gerou ampla indignação. A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, saiu em defesa de Marina e classificou os senadores ofensores como “um bando de misóginos”, destacando a bravura e a grandeza da ministra. Fatos como esse evidenciam o sexismo latente: certos políticos simplesmente não toleram ver uma mulher, ainda mais uma mulher de origem humilde, ocupando com competência um espaço de poder. Para essas mentes tacanhas, atacar Marina com insultos pessoais é também uma forma de tentar “colocar a mulher em seu lugar”, perpetuando uma cultura de silenciamento e inferiorização.

O componente racial também não pode ser ignorado. Marina Silva, enquanto mulher negra vinda da floresta, desafia o racismo estrutural ao ter ascendido a papéis de destaque nacional e internacional. Circulam ofensas veladas e caricaturas que exploram traços físicos ou sua origem amazônica, numa nítida tentativa de acionar preconceitos. Uma nota pública recente pontuou com clareza: “É mulher. É negra. É da Amazônia. Isso tudo a torna alvo preferencial de ataques misóginos e racistas, vindos especialmente de homens que defendem o que há de mais arcaico e degradante ao meio ambiente, à economia e às relações sociais do país”. Ou seja, os agressores de Marina geralmente são os mesmos que defendem agendas arcaicas, seja no trato com o meio ambiente (como o afrouxamento de proteções ambientais e incentivo à exploração predatória), seja em visões ultrapassadas de sociedade. O ódio contra ela tem um viés ideológico claro: Marina representa o novo, a postura civilizatória de respeito à natureza e aos direitos humanos; seus detratores representam o velho, a mentalidade do lucro a qualquer custo, da exclusão e do autoritarismo. Eles não suportam que uma mulher negra da Amazônia lhes diga verdades incômodas sobre devastação, mudanças climáticas ou injustiça social. Por isso recorrem à violência simbólica, aos xingamentos e até ameaças. Vale lembrar que esse mesmo senador, além das ofensas em plenário, já chegou a insinuar enforcamento da ministra, fato que lhe rendeu denúncia no Conselho de Ética. São resquícios do autoritarismo e do racismo que ainda permeiam nossa política – e que precisam ser repudiados com veemência.

Por fim, o antiambientalismo visceral é o terceiro motor desses ataques. Marina Silva, por sua firmeza em pautar a defesa da floresta e o enfrentamento da crise climática, tornou-se inimiga figadal dos que lucram ou se beneficiam da destruição ambiental. Grandes desmatadores ilegais, garimpeiros clandestinos, setores do agronegócio que rejeitam qualquer controle e seus representantes políticos veem em Marina um obstáculo a seus interesses. A reação deles é tentar demonizar a causa ambiental, pintando-a falsamente como radical ou anti-desenvolvimentista. Essa narrativa falaciosa – a de que cuidar do meio ambiente seria “impedir o progresso” – já foi exaustivamente desmentida por estudos que provam que a economia sustentável gera riqueza e empregos sem comprometer o futuro. Mas, movidos por conveniências imediatas, os detratores preferem espalhar mentiras de que Marina “quer acabar com a agricultura” ou “trairia a pátria aos estrangeiros”. Há também um componente de ódio ideológico: o bolsonarismo adotou um discurso abertamente antiambiental durante o governo, desmontando órgãos de fiscalização, incentivando a exploração em áreas protegidas e negando dados científicos. Nesse contexto, Marina – que simboliza o inverso disso, ou seja, a política ambiental responsável – virou alvo natural de seus ataques. Em última instância, atacar Marina Silva tornou-se um código entre bolsonaristas e ultraconservadores para afirmar uma visão de mundo negacionista e retrógrada. Combatê-la com calúnias é, para eles, uma forma de combater tudo que ela representa: a ciência climática, a proteção indígena, a participação popular nas decisões, a transparência e o compromisso com as futuras gerações. É por isso que a enxurrada de ataques a Marina não pode ser interpretada apenas como disputa política comum – trata-se de violência política de gênero e raça e de uma repulsa ao projeto civilizatório que ela encarna.

A defesa do meio ambiente como missão civilizatória

Diante desse cenário de ataques sórdidos, é crucial reafirmar o que está em jogo. A trajetória de Marina Silva não diz respeito apenas a ela, mas a uma causa civilizatória: a luta por um modelo de desenvolvimento sustentável, guiado pela ciência e orientado pelos direitos humanos. Em pleno século 21, com a humanidade enfrentando crises climáticas sem precedentes, defender o meio ambiente deixou de ser pauta “de nicho” e passou a ser um imperativo moral e de sobrevivência. Marina foi pioneira, no Brasil, em compreender e difundir a ideia de justiça climática – o entendimento de que a questão ambiental está interligada à justiça social, aos direitos dos povos tradicionais, ao combate às desigualdades. Essa visão integrada é hoje endossada pelos principais fóruns globais. Ou seja, as bandeiras que Marina empunha (combate ao desmatamento, energia limpa, proteção de indígenas, economia de baixo carbono) não são obstáculo ao progresso – elas são o caminho para um progresso verdadeiro, duradouro e inclusivo. Quando setores atrasados tentam silenciá-la, estão na verdade se opondo à modernização sustentável do Brasil e à inserção do país como líder positivo no mundo.

É preciso reconhecer que a defesa do meio ambiente é também a defesa da democracia. Isso porque envolve transparência, participação social e respeito a evidências – todos elementos basilares de uma sociedade democrática. Marina Silva, ao insistir em políticas públicas embasadas em dados e ao dialogar com movimentos sociais, reafirma a importância de governar ouvindo a ciência e o povo, em vez de ceder a pressões de oligarquias econômicas. Essa postura representa um papel civilizatório: é assim que se constrói uma nação que valoriza a vida, a diversidade e o futuro. Em contrapartida, aqueles que a atacam com fake news, que incitam ódio misógino e racial, demonstram desprezo pelos valores civilizatórios. Optam pela barbárie da mentira e da violência simbólica, em detrimento do debate honesto. Ao fazerem isso, ameaçam a própria democracia, pois sem um mínimo de compromisso com a verdade factual e o respeito mútuo, o debate público degenera e o autoritarismo ganha espaço.

Marina Silva permanece firme, apesar de todo o veneno que lançam contra ela. Sua bravura e resiliência são inspiradoras. Como bem disse Janja, “sua bravura nos inspira e sua trajetória nos orgulha imensamente”. De fato, cada ataque vil que ela sofre apenas reforça a urgência de defendermos o que ela simboliza. Não é apenas Marina quem está sob ataque – é a agenda ambiental, a ciência, a verdade e a justiça social. Permitir que canalhas desqualifiquem essa agenda com base em calúnias é abrir margem para retrocessos irreparáveis, seja na proteção da Amazônia, seja na qualidade da nossa democracia. Cabe à sociedade civil, à imprensa responsável e às instituições democráticas reagirem à altura. Isso implica denunciar as fake news, cobrar responsabilização legal para quem comete crimes de ódio e ampliar o apoio a líderes éticos como Marina Silva.

Democracia nenhuma sobrevive se pautada na mentira e no linchamento moral dos justos. Ao contrário, a democracia floresce com o debate saudável, com o confronto respeitoso de ideias e com a valorização de exemplos éticos. Marina, com sua história, oferece ao Brasil e ao mundo um exemplo de política movida por princípios e evidências. Seus algozes, movidos por preconceito e ganância, oferecem apenas a negação e a discórdia. É fundamental que fiquemos do lado certo dessa história. Em tempos de pós-verdade e ódio digital, defender Marina Silva é defender a civilização contra a barbárie, a verdade contra a mentira, a democracia contra os canalhas.

*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá. Membro do Conselho Deliberativo da EngD

Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir da análise do vídeo publicado no canal ‘Te Atualizei’, dados públicos do Ministério do Meio Ambiente, entrevistas e biografias da ministra Marina Silva, e coberturas jornalísticas da BBC Brasil, El País Brasil, Folha de S.Paulo e Instituto Socioambiental.”

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