*José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista
Licitação com um único candidato é risco público
É preciso que o princípio da isonomia — aquele que garante igualdade de condições a todos os concorrentes — seja levado a sério. Infelizmente, nem sempre é o que se vê. No caso da licitação promovida pelo CREA-SP para a construção de sua nova sede, tudo indica que estamos diante de uma concorrência viciada, portanto podermos ter uma obra comprometida.
A possibilidade de que haja apenas um candidato está clara. Um cenário como esse não representa livre concorrência. Pelo contrário, fragiliza a credibilidade do certame, limita a participação de outras empresas e compromete o interesse público, que é a obtenção da melhor proposta técnica e financeira.
Ainda que o edital atenda, formalmente, aos preceitos da nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), o conteúdo de sua resposta ao pedido de impugnação revela algo preocupante: falta de transparência e planejamento mal comunicado, ingredientes clássicos da baixa competitividade.
Concorrência viciada, obra comprometida
Segundo a própria resposta do CREA-SP, não foram anexados ao edital os documentos referentes às sondagens do terreno, sob o argumento de que tal tarefa ficará a cargo da futura contratada. Ora, como uma empresa poderá calcular com segurança custos, prazos e métodos construtivos — e, principalmente, competir de forma justa — sem esses dados essenciais?
Sabe-se que as investigações geotécnicas são base para a estrutura de qualquer projeto arquitetônico. O fato de não torná-las públicas no edital gera uma barreira técnica oculta, pois quem já possui tais informações sai em larga vantagem, direcionando, na prática, o processo a um participante específico.
É preciso entender que o regime semi-integrado de contratação, embora previsto em lei, exige um equilíbrio tênue entre o que é fornecido pela administração e o que será responsabilidade da contratada. Neste caso, parece que o pêndulo pende para o lado da obscuridade — o que contradiz os princípios da administração pública.
Planejamento não é segredo, é dever
Um órgão da envergadura do CREA-SP não pode se permitir falhas primárias. A contratação de obra pública precisa ser clara, previsível e imparcial. Planejamento não é segredo técnico; é dever institucional. E ainda que o projeto arquitetônico venha acompanhado de termos técnicos da ABNT, não se pode negligenciar a necessidade de pleno acesso às condições do terreno, sob pena de ferir a viabilidade do processo.
Além disso, permitir que a licitação prossiga mesmo com indícios de que haverá um único participante — sem promover ajustes no edital ou realizar ampla revisão — representa mais do que descuido: revela a acomodação com práticas que favorecem a exclusividade velada.
Judicialização como ferramenta de proteção ao interesse público
Diante disso, buscar o Judiciário por meio de uma liminar não é mera estratégia de quem quer atrapalhar um processo. Pelo contrário, é a tentativa legítima de impedir que a concorrência viciada, obra comprometida, avance como se tudo estivesse dentro da normalidade.
A judicialização, neste caso, atua como freio a possíveis abusos administrativos. Evita-se não apenas o prejuízo financeiro, mas a perpetuação de uma cultura de baixa transparência nas licitações públicas.
É papel de toda sociedade — especialmente de profissionais da engenharia, do direito e do jornalismo — vigiar os passos de órgãos públicos, cobrando ética, clareza e respeito ao erário.
*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva. Em 2018, fundou e passou a coordenar o Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD), criado a partir da convicção de que a engenharia, como base material do desenvolvimento nacional, deve estar a serviço da democracia, da ética e da justiça social.
Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir do edital da Concorrência nº 90004/2025, da resposta oficial do CREA-SP ao pedido de impugnação e da Lei nº 14.133/2021, além de normas técnicas da ABNT.”