Por José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista
Sócio do Corinthians desde 1982, #55paixãocorintiana, #zemanoel
Cortar não é administrar
O Corinthians atravessa sua pior crise financeira em décadas, com estimativas não oficiais apontando uma dívida que pode chegar a R$ 2,7 bilhões. Para enfrentá-la, a atual diretoria decidiu separar, a partir de 2026, os orçamentos do futebol e do clube social. A medida, apresentada como saneadora, expõe, na prática, uma limitação estratégica: diante do caos financeiro, optou-se pelo caminho mais simples — o corte.
A redução drástica nos repasses aos esportes olímpicos e amadores, que podem ter suas atividades paralisadas, é sintomática. Cortar é fácil. Difícil é manter o clube grande enquanto se reequilibra. Um gigante como o Corinthians não pode pensar pequeno. Se a solução passa por anular modalidades históricas, como o basquete e o futsal, então a gestão não entendeu o que significa ser Corinthians.
Esportes correm risco de paralisação
A previsão orçamentária mostra o tamanho da guinada: os esportes terrestres, que hoje consomem R$ 27 milhões por ano, terão apenas R$ 12 milhões em 2026. A arrecadação prevista do clube social é de R$ 40 milhões, dos quais metade será destinada apenas à folha de pagamento. O restante não cobre sequer a manutenção básica das modalidades, que, sem novos patrocinadores, caminham para o colapso.
Nesse cenário, os esportes correm risco de paralisação — e não por ineficiência técnica ou falta de talento, mas por uma decisão política que coloca o futebol em um pedestal e relega o resto do clube ao abandono. É uma amputação institucional.
Futebol blindado, clube mutilado
Ao isolar o futebol do restante do Corinthians, a gestão acena para o mercado dizendo que está protegendo seu principal ativo. Mas o Corinthians é mais do que 11 em campo. É uma instituição centenária, com tradição em diversas frentes esportivas. Abandonar essa pluralidade em nome da “saúde financeira” é escolher apequenar o clube para resolver uma crise criada por erros sucessivos de administração.
Não se vê proposta para ampliar receitas, modernizar a arrecadação, aumentar a base de sócios ou negociar a dívida de forma responsável e realista. Não há sequer sinal de reestruturação tributária ou captação de novos investimentos. A lógica é a mesma dos últimos anos: resolver cortes com mais cortes, e deixar que as categorias de base e os esportes olímpicos paguem a conta da má gestão.
Esportes correm risco de paralisação: e a torcida?
A torcida corintiana é o maior patrimônio do clube. E ela sempre foi além do futebol. Ela preenche ginásios, acompanha categorias de base, apoia o feminino, o futsal, o vôlei, o basquete. Essa relação simbiótica não cabe em planilhas. Ao separar o futebol do clube social e cortar as verbas de modalidades fundamentais, a diretoria ignora o papel afetivo e institucional que essas atividades têm.
Os esportes correm risco de paralisação, mas o que está em risco vai além: trata-se da própria alma corintiana. Um clube do tamanho do Corinthians não pode aceitar que a solução para a dívida seja se tornar menor. Precisa pensar como gigante, agir como tal, buscar parcerias reais, reestruturar contratos, profissionalizar a gestão e, acima de tudo, respeitar sua história.
É hora de grandeza, não de cortes
O Corinthians precisa de soluções que vão além do corte de gastos. Precisa de renegociação séria da dívida, com apoio técnico e jurídico. Precisa explorar melhor sua marca, multiplicar suas receitas e deixar de depender de repasses únicos, vaquinhas ou acordos emergenciais. Cortar por cortar é desespero, não estratégia.
A separação orçamentária pode ser uma ferramenta útil, se vier acompanhada de planejamento, investimentos e inteligência. Mas, sozinha, é um atestado de desistência. O Corinthians não pode se resignar a ser só futebol. Precisa se reinventar sem se mutilar.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é Engenheiro Civil, Advogado, Jornalista, Cientista Político e Escritor. Pós-doutor em Sustentabilidade e Transportes (Universidade de Lisboa). É fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva, coordenador do Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD) é um dos fundadores do Portal de Notícias Os Inconfidentes, comprometido com pluralidade e engajamento comunitário.
Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir de pronunciamentos oficiais do Sport Club Corinthians Paulista, balanços financeiros divulgados à imprensa e análises publicadas por ESPN Brasil, Globo Esporte e UOL Esporte.”