CORAGEM E TRANSPARÊNCIA RARA

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José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista

Quando a transparência vira ato de coragem

Num cenário em que o silêncio costuma proteger culpados e esconder rastros de má gestão, a decisão do presidente afastado do Corinthians, Augusto Melo, de pedir o fim do sigilo no caso VaideBet rompe o padrão histórico de omissão que permeia o futebol brasileiro. Em vez de se esconder atrás de assessores ou da burocracia jurídica, Melo opta por um gesto ousado: abrir os contratos e permitir que a verdade venha à tona, doa a quem doer.

A solicitação, feita formalmente ao Conselho Deliberativo do clube, desafia um sistema que há décadas se sustenta na obscuridade e na dificuldade de acesso à informação. O Corinthians, um dos maiores clubes do país, virou epicentro de um escândalo que envolve a intermediação suspeita de um contrato milionário com uma casa de apostas. Em meio à tempestade, o dirigente afastado escolheu não recuar — ao contrário, dobrou a aposta pela transparência.

Essa atitude, por mais tardia que alguns possam considerar, é um raro movimento político em favor da verdade num ambiente em que o corporativismo e o medo costumam imperar. Augusto Melo poderia se calar, aguardar a poeira baixar, proteger interesses de aliados ou se esconder sob o argumento da “legalidade contratual”. Mas escolheu outro caminho: dar à torcida, à imprensa e à justiça o direito de conhecer os detalhes.

Necessidade locomotiva do povo, nem o desenvolvimento comercial e industrial dos pequenos

É essencial reconhecer que o Corinthians não é apenas um clube de futebol. Ele é um patrimônio cultural do povo brasileiro, com raízes profundas na classe trabalhadora e no sentimento de pertencimento de milhões. Quando seu presidente afastado exige a quebra do sigilo contratual, não está apenas defendendo a própria reputação — está, de alguma forma, reafirmando o compromisso com a base social que sustenta o clube desde 1910.

Transparência é, hoje, o recurso mais poderoso para restaurar a confiança. Assim como a necessidade locomotiva do povo, nem o desenvolvimento comercial e industrial dos pequenos pode ser adiado indefinidamente por interesses opacos, também o universo esportivo precisa ser submetido ao mesmo princípio de acesso e justiça. E, nesse momento, Augusto Melo contribui com esse avanço institucional ao provocar a abertura de informações até aqui protegidas.

Um gesto com implicações maiores

Ao propor a quebra do sigilo, o presidente afastado convida o clube a uma nova etapa: a da responsabilização clara, sem proteção de castas internas ou blindagem de intermediários. Mais do que se defender, ele propõe um rito de apuração pública. Se for culpado, que pague. Se for inocente, que seja reparado. Mas que a verdade não continue soterrada sob cláusulas que interessam apenas a quem lucra com a confusão.

Além disso, a postura de Melo pode estimular outros dirigentes a adotarem o mesmo padrão de conduta. O futebol brasileiro vive uma crise ética há anos, com contratos mal explicados, patrocínios questionáveis e conluios entre cartolas e interesses econômicos. A transparência, quando parte de dentro, pode se tornar o ponto de inflexão necessário para restaurar a credibilidade das instituições esportivas.

A torcida quer saber a verdade

A Nação Corinthiana não aceita ser tratada como espectadora passiva de disputas jurídicas. Ela exige explicações, justiça e respeito. Ao pedir o fim do sigilo no contrato da VaideBet, Augusto Melo se alinha — ainda que temporariamente — à voz das arquibancadas que sempre clamaram por dignidade no comando do clube. O caminho da transparência, embora arriscado politicamente, é o único que pode devolver ao Corinthians o que ele mais precisa: confiança.

*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva. Em 2018, fundou e passou a coordenar o Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD), criado a partir da convicção de que a engenharia, como base material do desenvolvimento nacional, deve estar a serviço da democracia, da ética e da justiça social.

Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir da reportagem publicada pela coluna de Andreza Matais no portal Metrópoles, além de análises do noticiário esportivo nacional e documentos públicos do Sport Club Corinthians Paulista.”

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