*José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista
Modernização ou aparelhamento?
No papel, PROJETO DE LEI Nº 1.024, DE 2020, que Altera a Lei nº 5.194, de 24 dedezembro de 1966, que regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto eEngenheiro-Agrônomo fala em modernização. Na prática, representa uma tentativa calculada de capturar o sistema Confea/CREA — que regula engenheiros e agrônomos no país — por interesses políticos e econômicos externos. De autoria do então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, o projeto usa uma roupagem técnica, mas esconde armadilhas de concentração de poder e entrega da engenharia nacional. Com o PL 1024/2020, amplia-se a margem para ingerência política direta. Ao mesmo tempo, abre-se o sistema para atuação de empresas estrangeiras sem reciprocidade ou contrapartida real. Trata-se, portanto, não de um aperfeiçoamento, mas de uma distorção de princípios que sustentam a soberania técnica nacional.
Corrupção Governo Tarcísio: interesses por trás do projeto
O projeto emerge em meio à ascensão de figuras políticas que buscam reorganizar estruturas profissionais como bases de poder. Nesse contexto, o sistema Confea/CREA se transforma de instrumento de regulamentação em peça de barganha política. A mudança no tempo de mandato e a permissão para reeleição favorecem a permanência de grupos no comando, esvaziando o dinamismo institucional.
Outros pontos preocupantes incluem a criação de plano de saúde exclusivo para dirigentes — privilégio totalmente desconectado da realidade dos profissionais que sustentam o sistema — e a alteração na composição da representação federativa, o que pode enfraquecer estados menores em nome de um falso federalismo.
Mais grave ainda é o afrouxamento de exigências para empresas estrangeiras atuarem no país. A proposta elimina exigências mínimas de capital ou comprovada atuação técnica, abrindo as portas para o lucro externo e a desproteção do mercado nacional. Profissionais brasileiros, por outro lado, continuam enfrentando barreiras para atuar fora do país. O desequilíbrio é escandaloso.
A engenharia brasileira na encruzilhada
A retórica da modernização tem servido, historicamente, como biombo para reformas regressivas. Neste caso, o PL 1024/2020 ameaça transformar o Confea/CREA em plataforma de poder político e corredor livre para corporações estrangeiras.
É fundamental reafirmar que o sistema profissional da engenharia não pode ser tratado como moeda de troca ou como ativo de mercado. Ele existe para proteger a sociedade e assegurar que obras, projetos e inovações ocorram com responsabilidade técnica, ética e pública.
Modernizar, sim — mas com critérios. É possível debater melhorias na estrutura do Confea/CREA sem abrir mão da soberania, da alternância democrática e da proteção ao profissional brasileiro. Porém, para isso, é preciso resistir à narrativa sedutora da eficiência imediata, que quase sempre serve a interesses opacos.
Corrupção Governo Tarcísio: o que está em jogo
A engenharia nacional tem papel estratégico na reconstrução econômica e social do Brasil. Sabotar sua autonomia com projetos disfarçados de modernização é comprometer o futuro. O PL 1025/2022 não pode passar sem escrutínio público e amplo debate. O silêncio agora custará caro depois.
Por isso, é urgente que a sociedade civil, os profissionais da engenharia, as universidades e os movimentos sociais se mobilizem. O que está em jogo não é apenas a gestão de um conselho de classe — é o controle sobre um dos setores mais essenciais para o desenvolvimento do país.
*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva. Em 2018, fundou e passou a coordenar o Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD), criado a partir da convicção de que a engenharia, como base material do desenvolvimento nacional, deve estar a serviço da democracia, da ética e da justiça social.
Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir do conteúdo original do PL 1024/2020, da cobertura crítica do Brasil 247, da análise técnica do Confea, além de reportagens do El País e G1 sobre relações políticas e interesses corporativos no governo Tarcísio.”