José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista
Hora de colocar o clube acima dos grupos
O Corinthians vive mais do que uma crise institucional: vive uma encruzilhada. E a resposta não virá do confronto, nem de decisões apressadas. O que se impõe neste momento é algo mais nobre, mais essencial: boa política no Corinthians já. Boa política no sentido clássico da palavra — diálogo, construção, respeito, compromisso com o coletivo.
É tempo de conversar com grandeza, de colocar o clube acima de alianças menores e interesses mesquinhos. Nos bastidores, o que se vê é uma união de grupos que se misturam e se fundem apenas para manter o controle. É como aquela imagem da velha rede de pesca: os nós se apertam entre si, mas continuam sendo os mesmos.
Esse padrão — de acordos opacos e decisões restritas a poucos — não é exclusivo do Corinthians. Reflete o que acontece no Brasil e no mundo: pequenos grupos decidindo por muitos, enquanto a maioria, que só pede dignidade, trabalho e igualdade, fica de fora.
Boa política no Corinthians já
Nesse contexto, a torcida alvinegra precisa ser ouvida e respeitada. O caminho legítimo para isso está desenhado: a reforma do estatuto social. Essa deve ser a marca da atual gestão. Com pouco mais de um ano e meio de mandato pela frente, o compromisso com a modernização do estatuto pode ser o maior legado institucional já deixado desde a democracia corinthiana.
Modernizar o estatuto é dar novo sentido à palavra “pertencimento”. É abrir espaço para novas vozes, reequilibrar o poder interno e permitir que o clube se torne mais democrático, mais moderno e mais conectado com o que é — um patrimônio do povo.
Sem SAF, com identidade
Enquanto isso, cresce nos bastidores a ideia de transformar o Corinthians em uma SAF. A proposta parece técnica, mas sua consequência é simbólica: é vender a alma do clube. Um clube como o Corinthians não pode ser reduzido a ativo financeiro. Seu estádio, sua camisa, sua história não estão à venda.
Aqueles que pensam que a SAF é solução ignoram a força interna que o Corinthians tem para se reerguer. O que o clube precisa não é de investidores estrangeiros, mas de gestão séria, transparência e compromisso com a sua comunidade.
É preciso mostrar com clareza que o Itaquerão não precisa de SAF, não precisa de negociatas, não precisa de atalhos. O Corinthians precisa é de coragem institucional.
Responsabilidade, não revanche
Neste momento, a palavra-chave é serenidade. Não é hora de agir com raiva. É hora de agir com responsabilidade. Porque acima de tudo está o bem maior: o Corinthians. É com boa política, com voz ativa da torcida e com coragem de reformar por dentro que o clube pode retomar seu rumo e honrar sua história.
A escolha é agora: ou nos curvamos à lógica dos grupos de sempre, ou ousamos construir um clube à altura de sua grandeza.
O que é preciso?
É preciso uma mensagem positiva. Uma mensagem de capacidade de enfrentamento, de persistência, de luta pelo Corinthians apesar de todas as dificuldades. É a certeza de que cobrar é necessário, sim — e também apresentar sugestões, alternativas, saídas.
O que eu quero é uma voz firme, serena, mas determinada, no sentido de oferecer uma luz ao fim do túnel. O Corinthians precisa disso. O torcedor precisa disso. O Brasil, talvez, também.
*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva. Em 2018, fundou e passou a coordenar o Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD), criado a partir da convicção de que a engenharia, como base material do desenvolvimento nacional, deve estar a serviço da democracia, da ética e da justiça social.
Declaração de Fontes:
“As informações contidas neste artigo foram baseadas em declaração oral gravada em agosto de 2025, referentes à conjuntura política interna do Corinthians, à discussão sobre a SAF e à necessidade de reforma estatutária.”