APOIO DO CONFEA À ENGD: ERRO HISTÓRICO

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*José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista

Instituições precisam de autoridade moral

O recente anúncio do apoio do Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia) à realização futura da 1ª Conferência Nacional da Engenharia, do Movimento Engenharia pela Democracia (ENGD), e divulgado durante a 80ª Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia (SOEA) e a Plenária Final do 12º Congresso Nacional de Profissionais (CNP), revela um problema que transcende aparências e discursos de unidade institucional.

Mais do que uma decisão administrativa, essa manifestação pública escancara o esvaziamento moral de uma entidade que há tempos se distancia da boa engenharia e da ética pública.

É importante registrar que a conferência ainda não ocorreu, o que torna ainda mais grave o gesto de apoio institucional antecipado — um endosso político que ignora a necessária reflexão sobre quem conduz, com que propósitos e com qual legitimidade.

Pessoalmente, cheguei a adquirir passagens aéreas e reservar hospedagem para participar da SOEA, motivado pelo espírito de diálogo, pela importância do encontro e pela necessidade de uma conversa nacional sobre as questões que afetam a engenharia brasileira — especialmente sobre o Projeto de Lei nº 1.024/2020, de relatoria do deputado Cleber Verde (MDB/BA), com quem buscamos estabelecer um diálogo construtivo e transparente em defesa dos reais interesses da categoria.

Entretanto, três dias antes do evento, decidi não comparecer, ao perceber o grau de instrumentalização e uso político do ambiente por parte de estruturas e lideranças que transformaram o que deveria ser um espaço de reflexão em palco de autopromoção institucional.

Minha posição é clara: não apoiei essa chamada Conferência Nacional da Engenharia, pois considero que o “Fórum da Engenharia Nacional” foi desvirtuado, utilizado para fins pessoais e de poder, e não para um verdadeiro debate técnico e democrático.

Crítica aos fóruns e conferências: eficácia versus formalidade

Em diálogo recente com outros profissionais, observamos que muitos eventos e conferências do sistema Confea/CREA acabam sendo mais formais do que efetivos. Uma conferência só faz sentido se trouxer discussões relevantes e efetivas para a engenharia, contribuindo para o país e para as novas gerações. Caso contrário, torna-se apenas um espaço de autopromoção e formalidade vazia.

Muitas vezes, participantes se deixam levar por empolgação superficial, sem que haja debates consistentes ou propostas concretas para o futuro da engenharia. É fundamental que os encontros profissionais priorizem a técnica, a educação e a soberania, e não a conquista de cargos ou o fortalecimento de grupos internos que buscam projeção política.

Decidi não estar presente na SOEA, “nas asas” do sistema, pois achei que não deveria compactuar com esse sistema decadente. No entanto, sigo convicto de que a boa engenharia se constrói com independência, coerência e compromisso com o interesse público, livre dos mecanismos que aprisionam a verdadeira engenharia e a afastam de sua função social.

Tecnologia avançada e inovação em jogo

A aliança entre a ENGD e o plenário atual do Confea não representa progresso, tampouco avanço técnico ou democrático. Representa, isto sim, a tentativa de higienizar a imagem de um conselho federal tomado por práticas questionáveis, como projetos sem embasamento técnico, orçamentos inflados e falta de transparência em decisões cruciais — a exemplo da tentativa de construção da nova sede do CREA-SP, barrada por ação judicial justamente por ausência de projeto básico e suspeita de sobrepreço.

A boa engenharia não pode compactuar com o improviso, tampouco com a institucionalização da hipocrisia. O uso simbólico do nome da engenharia para legitimar alianças políticas duvidosas compromete o futuro de toda a categoria.

Esse apoio do Confea à conferência promovida pela ENGD deve ser entendido como um erro político de proporções históricas.

Não há neutralidade diante da má gestão

Celebrar esse apoio é ignorar a realidade concreta que paira sobre o sistema Confea/CREA: um ambiente permeado por apadrinhamentos, gestões temerárias e decisões técnicas orientadas por interesses políticos.

A tentativa de construir uma sede milionária sem projeto básico é só a ponta do iceberg.

Não se trata de oposição gratuita, mas de coerência com os princípios elementares da engenharia.

Aceitar passivamente essa adesão institucional é deixar de lado o compromisso com a seriedade, com a técnica e com o interesse público. O que se esperava da ENGD era independência, não subserviência a um conselho que perdeu, há muito tempo, a autoridade moral para representar a engenharia brasileira.

Inovação sob ameaça institucional

Não se pode permitir que a inovação e a tecnologia avançada, pilares que deveriam sustentar o futuro da engenharia, fiquem reféns de grupos que usam o nome da categoria para alimentar suas próprias estruturas de poder.

O momento exige posicionamento firme e coragem para dizer o óbvio: esse tipo de apoio institucional é um desserviço.

O futuro da engenharia não pode ser moldado por entidades desacreditadas que perderam sua conexão com a base profissional.

Precisamos resgatar o espírito crítico e técnico que sempre orientou os grandes marcos da engenharia nacional. E isso começa por rejeitar alianças espúrias, ainda que travestidas de “unidade institucional”.

O compromisso que não se apaga: EPD, ética e independência

É fundamental lembrar que antes mesmo da ENGD, em 2018, nasceu o Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD) — uma iniciativa ética, plural e independente, criada a partir da convicção de que a engenharia deve estar a serviço da democracia, da transparência e do compromisso social.

O EPD surgiu com base em uma Carta de Princípios sólida: defender eleições livres e auditáveis no sistema Confea/Crea/Mútua; fiscalizar permanentemente as ações institucionais; lutar por conselhos que atuem com ética, eficiência e transparência; e manter diálogo constante com os profissionais, ouvindo suas realidades e necessidades.

Diferente de projetos de ocasião, o EPD nasceu e permanece livre de vínculos de poder, guiado pela autonomia crítica e técnica — atributos que se tornaram raros no cenário atual.

Nosso compromisso é com a categoria profissional e com o Brasil, não com estruturas ou alianças circunstanciais. A verdadeira defesa da engenharia começa pela coerência, não pela conveniência.

O EPD também é autor de sucessivos pedidos de informação ao Confea, questionando a falta de transparência em contratos, gastos e decisões administrativas — todos de conhecimento público e registrados em nossas comunicações oficiais.

Leia também:

CONFEA nega acesso a relatórios de testes do sistema eleitoral da engenharia

Falta de transparência marca divulgação de pesquisa do Confea

https://josemanoelfg.com.br/epd-denuncia-falta-transparencia-confea-crea-sp/

https://josemanoelfg.com.br/manifestacao-encaminhada-ao-mpf-aponta-possivel-omissao-tributaria-de-conselhos-profissionais/

Do lado certo da história

Não há como silenciar diante da tentativa de reabilitar moralmente instituições que têm se mostrado incapazes de conduzir com ética e transparência os destinos da engenharia brasileira.

A decisão da ENGD em celebrar esse apoio revela um grave equívoco político e estratégico, que compromete sua independência e mancha a seriedade do debate que pretende promover.

Estar do lado certo da história, nesse contexto, é ter a coragem de romper com a falsa unanimidade, recusar a hipocrisia institucional e lutar por uma engenharia que realmente sirva ao país — e não aos interesses de cúpulas envelhecidas e desgastadas, apoiadas em alicerces escusos.

*José Manoel Ferreira Gonçalves é Engenheiro Civil, Advogado, Jornalista, Cientista Político e Escritor. Pós-doutor em Sustentabilidade e Transportes (Universidade de Lisboa). É fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva, coordenador do Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD) é um dos fundadores do Portal de Notícias Os Inconfidentes, comprometido com pluralidade e engajamento comunitário.

Declaração de Fontes: “As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir de fontes confiáveis e verificadas.” Fontes: site oficial do EngD (engd.org.br), declarações públicas sobre a tentativa de construção da sede do CREA-SP, histórico de ações judiciais contra o Confea/CREA, e análises técnicas sobre gestão pública na engenharia.

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