Acordo entre Confea e BRB: riscos de enfraquecimento ético e institucional

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*Por José Manoel Ferreira Gonçalves
Engheiro, Advogado, Jornalista e Escritor

A recente aprovação, pelo Confea, do Acordo de Cooperação Técnica com o Banco de Brasília (BRB), por meio da Decisão PL-0382/2025, merece uma análise cautelosa e crítica. Embora apresentada como uma medida “sem custos” e inspirada em programas semelhantes de outras entidades, como a OAB, a iniciativa carrega riscos institucionais significativos e pode representar um desvio silencioso da missão pública do sistema Confea/Crea.

Não se trata de condenar acordos de parceria entre instituições públicas e entes financeiros — tais relações podem ser legítimas e, em muitos casos, benéficas. O que causa preocupação aqui é o conteúdo e a lógica desse acordo específico: benefícios financeiros e promocionais direcionados a conselheiros, presidentes e profissionais vinculados ao sistema, em troca de um relacionamento financeiro privilegiado com um banco.

O acordo prevê a criação de um cartão de crédito “co-branded” com vantagens como cashback, isenção de anuidade e sistema de pontuação, além da possibilidade de migração da folha de pagamento para o BRB. Em troca, o Confea mantém uma relação institucional próxima ao banco e autoriza o cruzamento de dados cadastrais via API — algo que, embora tecnicamente justificável, tem forte valor comercial.

Ainda que o documento não mencione diretamente a exigência de aplicações financeiras mínimas, críticas recebidas de profissionais apontam que a manutenção de R$ 120 milhões em aplicação seria parte não formalizada da expectativa do banco. Se isso estiver de fato ocorrendo, o risco ético se agrava: recursos públicos estariam sendo usados como moeda de troca para benefícios privados.

O sistema Confea/Crea tem como missão institucional a fiscalização do exercício profissional, a valorização da engenharia e a proteção da sociedade. Benefícios pessoais — como cartões premium com vantagens exclusivas — não fazem parte dessa missão. Criar incentivos financeiros indiretos para dirigentes ou vinculados compromete a integridade do sistema e o coloca em rota de colisão com os princípios da administração pública.

Um dos aspectos mais graves desse tipo de acordo é o precedente que ele estabelece. Se é legítimo criar relações institucionais que oferecem vantagens financeiras aos gestores e profissionais em troca de compromissos financeiros não transparentes, o que impedirá que outras parcerias semelhantes se multipliquem no futuro?

A ausência de um debate mais amplo sobre esse tipo de cooperação, a falta de prestação de contas clara à categoria e a utilização de dados profissionais para produtos bancários são elementos que indicam fragilidade institucional e demandam resposta.

A decisão pode até ter respaldo jurídico, como apontado nos pareceres do Confea, mas isso não a torna correta do ponto de vista ético. O papel do Confea é técnico, regulador e público — e qualquer iniciativa que leve o sistema a atuar como agente comercial ou indutor de consumo financeiro, ainda que indiretamente, deve ser amplamente discutida e, se necessário, revista.

A confiança no sistema Confea/Crea foi construída com base na seriedade técnica e no compromisso público. Não podemos comprometer essa história em troca de vantagens que, no fim, favorecem poucos e enfraquecem a todos.

Em razão das dúvidas e possíveis irregularidades identificadas no Acordo de Cooperação Técnica firmado entre o CONFEA e o Banco de Brasília S.A. (BRB), especialmente quanto à transparência, à impessoalidade e à observância dos princípios éticos que devem reger a atuação das autarquias públicas, encaminhamos o caso ao Ministério Público Federal para apuração. A manifestação foi registrada sob o número 20250030231, com o objetivo de que se investigue a legalidade e a moralidade administrativa do acordo, bem como os potenciais impactos para os profissionais do Sistema CONFEA/CREA.

*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá. Membro do Conselho Deliberativo da EngD

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