Por José Manoel Ferreira Gonçalves
Currículo: https://bit.ly/3U8Ltol
A Polêmica da Avaliação por Mérito
A noção de meritocracia, há muito discutida no seio educacional, volta agora ao cenário político sob o espectro de uma controvérsia recente. A gestão do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, instituiu, mediante uma portaria, um novo sistema de avaliação para diretores de escolas estaduais que, segundo a própria administração, baseia-se em princípios meritocráticos. O PSOL, partido de oposição, reagiu com rapidez, acionando o Ministério Público contra a medida. A base da discordância reside na convicção de que a nova política, além de instaurar um clima de competição, não leva em conta as distintas realidades enfrentadas pelas unidades escolares e seus respectivos educadores.
Atrelar a eficiência à mensuração de resultados quantificáveis é um movimento que, embora vestido de racionalidade, mascara a complexidade dos desafios cotidianos da educação. Considera-se aqui que, se por um lado, a métrica objetiva pode incentivar a busca por excelência na gestão escolar, por outro, ao custo de superficializar a rica tessitura de qualidades que definem um bom educador ou administrador e as peculiaridades de cada casa educacional.
Questões Intrínsecas à Prática Educativa
A contenda não reside apenas na superfície de um documento oficial, mas toca no cerne das intricadas relações entre educação e sociedade. Teóricos abalizados da educação defendem que a qualidade do ensino não pode, e nem deve, ser desarticulada do seu contexto. Reduzir a avaliação de uma gestão escolar a indicadores simplificados omite as inúmeras variáveis que influenciam o processo educativo, como recursos disponíveis, condições socioeconômicas da comunidade e infraestrutura escolar. Essa unidimensionalidade impõe um questionamento profundo sobre a justiça e a viabilidade de tal abordagem meritocrática.
No embate entre o pragmatismo das métricas e a vivência multifacetada das comunidades escolares, manifesta-se uma tensão entre o ideal e o real, entre a teoria e a prática, entre o desejo de melhorar e os meios para tal. Afirmar-se a favor de uma avaliação holística é reivindicar a necessidade de políticas públicas fundamentadas em uma visão abrangente que contemple tanto a eficácia administrativa quanto a equidade social.
A Repercussão na Comunidade Escolar
Diante da reação do PSOL, outras vozes se levantam em solidariedade ou oposição à política proposta pela gestão de Tarcísio. Professores, diretores e pais de alunos tornam-se peças fundamentais nesta discussão, visto que são afetados diretamente pelas mudanças impostas. A preocupação recai principalmente sobre o impacto dessa avaliação na rotina das escolas e no bem-estar dos que nelas operam. Debate-se a possibilidade de um ambiente promotor de competitividade descabida, com potenciais implicações na colaboração e no clima organizacional.
Ademais, a percepção de que o sistema pode beneficiar desproporcionalmente escolas situadas em regiões mais favorecidas levanta questionamentos acerca da equidade da medida. O desafio está em assegurar que a avaliação por mérito seja contextualizada e que não negligencie os obstáculos enfrentados por instituições em contextos mais desafiadores.
A Visão Jurídica e o Dever do Estado
No cenário jurídico, o embate ganha outra dimensão, pois o PSOL, ao acionar o Ministério Público, endossa a discussão sob um prisma legal. É imperativo entender que a portaria fere princípios constitucionais relacionados à educação e à administração pública. A avaliação de mérito, enquanto política pública, precisa estar em consonância com o que determina a legislação, em especial no que tange ao dever do Estado de garantir uma educação de qualidade e acessível a todos.
A inequidade inserida em processos avaliativos pode elevar a justiça social ao status de preocupação primária. A longa tradição jurídica brasileira de proteção aos direitos de cidadãos e a priorização da equidade devem balizar quaisquer iniciativas que afetem a esfera pública, incluindo, é claro, a educação.
Impactos Futuros e Educação de Qualidade
Olhando além do horizonte imediato, é mister considerar os possíveis impactos de longo prazo que essa política pode engendrar. A preocupação sobre avanços ou retrocessos na qualidade da educação permeia o debate. Pondera-se sobre o legado que a aplicação cega do mérito deixará às futuras gerações de educadores e estudantes, bem como a sua ressonância na formação cidadã.
A meritocracia, como princípio, não é destituída de valor, mas a sua efetivação requer um design cuidadoso para que fomente o crescimento equitativo. A educação, em última análise, é um instrumento de emancipação e a qualidade desta deve ser uma preocupação constante. Cresce, assim, a responsabilidade de qualquer governança em assegurar que as políticas adotadas honrem esse compromisso com a sociedade.
Reflexões no Cenário Político-Educacional
A dissonância entre as propostas da gestão estadual e as expectativas de alguns setores da sociedade reflete a complexidade e a politização das questões educacionais. O episódio ressalta a importância do diálogo e da transparência nas decisões que impactam o futuro da educação. Refuta-se a ideia de que a qualidade educacional possa ser aferida por critérios unicausalmente relacionados ao desempenho em avaliações sumárias. Busca-se, por conseguinte, um equilíbrio entre as ambiciosas metas de excelência e a realidade prática das instituições de ensino.
Finalmente, reitera-se que a educação é um bem coletivo e, como tal, deve ser tratada com a seriedade e o respeito que a sua natureza exige. A comunidade educacional aguarda, portanto, medidas que respeitem as peculiaridades de cada contexto escolar e que promovam não só a justiça, mas também a eficácia dentro de um quadro de equidade e inclusão.
Fontes de dados usadas: Foram aqui utilizadas informações disponíveis na matéria publicada por CartaCapital, bem como pesquisas adicionais em fontes de dados confiáveis sobre educação e políticas públicas.