Unidades de Conservação e Povos Tradicionais

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*Por José Manoel Ferreira Gonçalves
Pré-candidato a prefeito do Guarujá pelo PSol

A Questão das Sobreposições Territoriais

A relação entre Unidades de Conservação (UCs) de Proteção Integral e territórios tradicionais no Brasil é complexa e marcada por sobreposições que geram conflitos. A legislação atual, especificamente o artigo 42 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), prevê o reassentamento de populações tradicionais em UCs de Proteção Integral onde sua permanência não é permitida. No entanto, essa abordagem tem sido questionada por diversos setores da sociedade, incluindo o Ministério Público Federal e especialistas em direito ambiental, que defendem uma nova perspectiva na gestão desses conflitos.

O Direito à Terra e à Cultura

A Constituição Federal de 1988 reconhece os direitos territoriais e culturais dos povos indígenas e quilombolas, garantindo a propriedade definitiva das terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, a Carta Magna protege as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, incluindo seus modos de vida e de produção. Essa proteção se estende a outros povos e comunidades tradicionais, reconhecidos pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT).

Releitura da Lei do SNUC

Diante do arcabouço jurídico que protege os direitos dos povos tradicionais, é necessária uma releitura do artigo 42 da Lei do SNUC, considerando os princípios constitucionais e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo, estabelece a necessidade de consulta prévia, livre e informada dos povos interessados antes da implementação de medidas que possam afetá-los diretamente, incluindo o reassentamento.

O Princípio da Proporcionalidade

A possibilidade de manutenção permanente das populações tradicionais em UCs de Proteção Integral deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade. Estudos demonstram que a presença dessas comunidades, em geral, não representa um risco ao meio ambiente, e que seus modos de vida tradicionais podem contribuir para a conservação da biodiversidade. A remoção dessas populações, por outro lado, pode gerar impactos negativos em sua cultura e identidade, além de violar seus direitos fundamentais.

Instrumentos de Gestão e Convivência

Para compatibilizar a proteção ambiental com os direitos dos povos tradicionais, é fundamental a adoção de instrumentos de gestão participativos e democráticos. O Plano de Manejo da UC deve reconhecer a presença da população tradicional e prever um zoneamento específico para a gestão do território. Instrumentos como Termos de Compromisso, Contratos de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) e Acordos de Gestão podem ser utilizados para formalizar a convivência e a gestão compartilhada do território.

Uma Nova Abordagem

A gestão dos conflitos entre UCs de Proteção Integral e territórios tradicionais exige uma nova abordagem, que supere a lógica do reassentamento e valorize a convivência e a gestão compartilhada do território. A presença das populações tradicionais em UCs de Proteção Integral pode ser compatível com os objetivos de conservação da biodiversidade, desde que sejam adotados instrumentos de gestão adequados e que se respeitem os direitos dessas comunidades. A construção de um modelo de gestão territorial que reconheça a diversidade cultural e a importância dos saberes tradicionais é fundamental para a efetiva proteção do meio ambiente e para a garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais.

**José Manoel Ferreira Gonçalves é jornalista, cientista político, engenheiro, escritor e advogado. Pré-candidato a prefeito de Guarujá pelo PSOL. É presidente da Associação Guarujá Viva, AGUAVIVA, e da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias, Ferrofrente. Idealizador do Portal SOS PLANETA


Fontes de dados: Lei nº 9.985/2000 (Lei do SNUC); Decreto nº 4.340/2002; Constituição Federal de 1988; Convenção nº 169 da OIT; Parecer nº 00175/2021/CPAR/PFE-ICMBIO/PGF/AGU

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